Camila Massaro de
Góes | Esse artigo possui o objetivo de apresentar
os resultados de um estudo exploratório sobre a apropriação do pensamento
político e social de Antonio Gramsci no âmbito dos chamados Subaltern Studies, destacando os
trabalhos de Dipesh Chakrabarty, Gyanendra Pandey, Partha Chatterjee, Ranajit
Guha e Gayatri Chakravorty Spivak. Por meio desse estudo pretendeu-se
identificar as formas de tradução do pensamento gramsciano e, principalmente,
dos conceitos de hegemonia e subalterno pelos Subaltern Studies e individualizar a contribuição específica destes
para a compreensão dos processos de constituição de uma direção
político-cultural na sociedade
Introdução
A obra gramsciana provê um modo de entender a cultura, na
sua relação com o poder, as classes sociais, a ideologia e principalmente com a
hegemonia, que possibilita uma singular e constitutiva capacidade de adaptação
e tradução para aqueles que se baseiam em seu conteúdo, apropriando-se de suas
noções ao analisar situações muito diversas daquelas nas quais o marxista sardo
conheceu e viveu (BARATTA, 2009, p. 17).
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Ranajit Guha |
A questão da adaptabilidade e tradutibilidade do pensamento
gramsciano vem inevitavelmente à tona através da reflexão pelos Subaltern Studies. Tal reflexão busca
ilustrar não tanto a “fortuna”, mas a funcionalidade do pensamento gramsciano
no estímulo à abertura de novos centros de pesquisa em países distantes
(BARATTA, 2009, p. 17-18). Essa questão não é neutra, assim como não se
restringe ao âmbito puramente técnico ou acadêmico, como nos lembra Abdesselam
Cheddadi (2009) e, portanto, merece atenção especial. Ao contrário do que se
pode aparentar, o método de tradução possui caráter muito complexo,
propriamente por estar relacionado a diversas outras questões, como o âmbito da
cultura e da política, o desenvolvimento econômico e social, as relações
internacionais e o horizonte político e cultural levando em consideração a sua
escala mundial. Os conceitos de tradução e de “tradutibilidade” são concebidos
por Gramsci em diversos momentos de sua obra, e são amplamente reconhecidos por
não serem de fácil leitura e compreensão, como destaca Derek Boothman (2004).
O método gramsciano pode ser visto como fundido em seu
próprio pensamento. A especificidade desse “método-pensamento” está na
inseparabilidade entre o esforço de construir conceitos ou teorias gerais, e a
contingência histórica e geográfica nas quais seus conceitos e sua teoria
nasceram e prosperaram. A internacionalização da Questão Meridional, suscitada por Gramsci, avança na argumentação
de Boothman (2004) em uma hipótese que pretende alcançar um novo modelo de
análise, partindo das considerações desenvolvidas no Quaderno 19 que trata do Risorgimento italiano, e mais
especificamente sobre a articulação da “força urbana” e da “força rural” entre
o Norte e o Sul da Itália, só que agora aplicado a um contexto mais amplo e
diversificado. A internacionalização se move, nesse caso, sobre duas
empreitadas aparentemente opostas, mas que se complementam. A primeira trata da
história dos Estados subalternos, que só se explicaria a partir da história dos
Estados hegemônicos. A segunda, por outro lado, consiste no fato de que “as
forças do progresso” não deveriam ser procuradas necessariamente “ao nível do
Império”. Sendo proveniente da Sardegna, afirma Boothman (2004) que Gramsci
sabia bem que um povo oprimido pode alcançar a libertação apenas com as suas
próprias forças.
Baratta (2009) considera a argumentação de Boothman como um
“contrappunto permanente”, entre identidade e diversidade, exemplificada por
Gramsci, desde o Quaderno 1, a partir
da metáfora de que cada raio ao passar por diversos prismas originaria
refrações de luzes distintas. Trata-se, segundo o autor, de uma metáfora que
introduz uma breve, mas muito preciosa lição epistemológica sobre trabalho
cultural.
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Dipesh Chakrabarty |
Gramsci estabelece que a tradutibilidade pressupõe que uma
determinada fase da civilização tenha uma expressão cultural “fundamentalmente”
idêntica, mesmo que a linguagem seja historicamente diversa, diversidade
determinada pela tradição particular de cada cultura nacional e de cada sistema
filosófico. Para o autor, deve-se observar se a tradutibilidade é possível
entre expressões de diferentes fases de civilização, na medida em que estas
fases são momentos de desenvolvimento uma da outra e, portanto, integram-se
reciprocamente; ou se uma expressão determinada pode ser traduzida em termos de
uma fase anterior de uma mesma civilização, fase essa que, no entanto, é mais
compreensível do que a linguagem dada. Gramsci afirma ainda que só na filosofia
da práxis a “tradução” é orgânica e profunda (GRAMSCI, 2002a, p. 185).
Nessa ocasião, destaca-se a apropriação do conceito de
subalterno para o contexto indiano. Esse conceito pode ser pensado a partir da
interessante consideração dinâmica da hegemonia como uma “particular condição
de domínio”, desenvolvida por Guha. Essa consideração abre o cenário
movimentado em torno da persuasão, como veículo de possível resistência, ao
contrário da mera subordinação e coerção. O modelo indiano demonstra, assim,
uma capacidade de “adaptação” a situações diversas e distantes.
Nessa análise, o ponto chave para Baratta (2009) encontra-se
no destaque de uma linha de substancial continuidade – nos confrontos dos
subalternos na Índia – do Estado colonial ao Estado nacional liberal. Nesse
sentido, a “figura-chave” que representa o elemento decisivo de continuidade
entre o velho e o novo no mundo dos subordinados consiste na figura do
“camponês”. Mais que um contorno social definido, entende-se com essa expressão
uma metáfora, ligada aos movimentos e transformações demográficas que estão em
constante mudança ao redor do mundo, introduzindo elementos aparentemente
residuais e anacrônicos, mas que podem
ser, ao contrário, decididamente inovadores e progressivos, em pleno coração do
capitalismo planetário (BARATTA, 2009, p. 20). Nesse sentido, buscamos
investigar os limites de tradução do pensamento gramsciano pelos Subaltern Studies e individualizar a
contribuição específica destes para a compreensão do contexto histórico
indiano.
1. O projeto “subalternista”
O Centro de Estudos de Ciências Sociais (CSSC) de Calcutá
surge no final dos anos 1970 marcado por uma tendência nitidamente marxista,
apesar de receber apoio do governo indiano. Em seu interior existia uma divisão
entre os considerados “velhos” marxistas e a “nova” tendência, marcada pelo
movimento naxalista.2 Foi no cerne desse segundo grupo que surgiu um núcleo de
estudos sob influência de Ranajit Guha,3 no qual se reuniram os principais
intelectuais que compuseram e fundaram os Subaltern
Studies. O grupo de estudiosos indianos reunidos em torno de Guha organizou
uma série de coletâneas de artigos sobre a história social indiana, da qual o
primeiro volume foi lançado em Delhi no ano de 1982. A partir dessa primeira
publicação, o debate entre o grupo de historiadores “subalternistas” e os
outros (tanto os “velhos marxistas” como os nacionalistas tradicionais)
tornou-se cada vez mais intenso, como se infere nas páginas de Social
Scientist, revista onde se discutia as ideias do Partido Comunista Indiano
Marxista (PCM) da época.
Concomitantemente, os escritos dos Subaltern Studies atingiram um público mais vasto – no final dos
anos de 1980 passaram a ser conhecidos fora da Índia e do âmbito da
historiografia indiana.4 A obra do grupo passou a ser debatida em revistas
americanas por intermédio de Gayatri Chakravorty Spivak.5
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Gayatri Chakravorty Spivak |
Pode-se estabelecer que o que unificou todos esses
intelectuais em um primeiro momento foi o fato de todos serem estudiosos e
críticos da obra de Karl Marx. Todos eles foram influenciados por muitas
variedades do chamado “marxismo ocidental” e especialmente pelas ideias dos
Cadernos do Cárcere de Antonio Gramsci que ganhavam novo fôlego editorial desde
1975 com a publicação da edição crítica por Valentino Gerratana, além da
influência de pensadores estruturalistas e pós-estruturalistas como Edward
Said, Roland Barthes, Michel Foucault e Jacques Derrida. Destaca-se também a
influência de pensadores britânicos como E. P. Thompson e Eric Hobsbawm.
É possível observar, ainda, que o projeto dos Subaltern Studies no início era
fortemente inspirado no tardio Caderno 25 de Antonio Gramsci no que diz
respeito à história das classes e grupos subalternos. Esse projeto adotara o
paradigma da história “que vinha de baixo” para contestar a história da “elite”
escrita por indianos nacionalistas. No entanto, o projeto “subalternista” se
desdobrou de tal modo que é possível observar uma autonomização do grupo em
relação ao pensamento de Gramsci – principalmente a partir do afastamento de
Guha em 1989 – com a combinação de ideias do marxista sardo com outras
articulações teóricas relevantes na época, citadas anteriormente.
A inauguração do projeto Subaltern
Studies em 1982 se deu com a afirmação de que a historiografia indiana fora
dominada por muito tempo pelo elitismo –
o elitismo colonialista e o elitismo nacionalista-burguês (GUHA, 1982, p. 1).
Ambos foram originados de um produto ideológico do regimento britânico na Índia
que permaneceu mesmo após a transferência de poder, sendo assimilados como
discursos neocolonialistas e neonacionalistas na Inglaterra e na Índia
respectivamente.
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Gyanendra Pandey |
Nesse projeto inicial se estabeleceu que o domínio da
política estava estruturalmente dividido na Índia, e não unificado e homogêneo,
como a interpretação da elite afirmava. Em 1999, nos Subaltern Studies Reader 1986-1995, Guha reafirmou o principal
objetivo do grupo de estudiosos que consistia na tentativa de desfazer os
efeitos de tal suposta unificação do domínio da política, por meio de um modo
alternativo de organização em diversos temas – tendo a divisão estrutural da
política como sua preocupação central (GUHA, 1999, p. xv). A noção de
“subalterno” aqui tem importância central. Apropriada dos Cadernos do Cárcere,
essa noção apresenta tanto conotações políticas, quanto intelectuais. No prefácio
dos Selected Subaltern Studies, de
1988, Edward Said explicitou que nela há um oposto implícito – a existência do
“dominante” ou da “elite”. No caso da Índia, as classes aliadas aos britânicos
que dominaram a Índia por 300 anos (SAID, 1988, p. v-x).
2. Os Subaltern Studies e as noções de hegemonia e subalternidade
A análise da hegemonia e da condição subalterna, para
Gramsci, não pode ser reduzida à relação entre as nações, mas deve, também, dar
conta das relações entre classes sociais ou frações dessas. A representação
“individualizada” dos Estados e das nações é uma simples metáfora. Toda relação
de “hegemonia”, no sentido de expansão de uma determinada concepção de mundo, é
necessariamente uma relação pedagógica que se verifica não apenas no interior de
uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo campo
internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e
continentais. É necessário salientar que essa relação existe em toda a
sociedade no seu conjunto e compreender o conceito de subalterno na medida em
que as estratificações oriundas dessa relação hegemônica interagem em uma
relação de domínio, na qual uma parte é a dominante e a outra é dominada,
subalterna.
David Arnold afirma que essa divisão bipartida de uma
sociedade hierarquizada de modo complexo, como no caso da Índia, não se dá sem
problemas (ARNOLD, 2000, p. 35). Um óbvio exemplo são os ricos camponeses tidos
como subalternos nas suas relações com a elite do tipo zamindar,6 mas que são
propriamente elite apenas nas relações de dominação com o estrato de
trabalhadores pobres sem-terra e com os pequenos artesãos e grupos servis. Toda
e qualquer sociedade deve se dividir diferentemente em distintas situações,
mas, em consistência com a teoria gramsciana, a problemática central deve ser
vista como assentada na divisão fundamental e persistente entre os grupos
subordinados, trabalhadores, cultivadores e as classes que exercem a dominação
econômica e política sobre eles. A localização precisa da elite/subalterno deve
ser estabelecida em cada contexto regional e histórico, de acordo com os
princípios gerais estabelecidos por Guha no projeto inicial:
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Partha Chatterjee |
Nos níveis regionais e locais, representam-se tanto classes
e outros elementos, como também membros dos grupos dominantes de toda Índia,
incluindo-se nessa categoria prévia ou pertencendo a um estrato social
hierarquicamente inferior para os grupos dominantes de toda Índia que agiam de
acordo com os interesses desses últimos e não em conformidade com os interesses
que verdadeiramente correspondiam ao seu próprio ser social (GUHA, 1982, p. 8).
Partha Chatterjee (1983) aponta a compatibilidade da
autonomia subalterna com a dominação ou hegemonia da elite e a natureza
dialética dessa relação. Para o autor, dominação deve existir apenas dentro de
uma relação. Os grupos dominantes, em seu exercício de dominação, não consomem
ou destroem as classes dominadas, uma vez que dessa maneira não haveria uma
relação de poder, e, consequentemente, nenhuma dominação (CHATTERJEE, 1983, p.
59). Argumenta Chatterjee que a questão é conceitualizar todo um aspecto da
história humana como história – ou seja, como um movimento que flui a partir de
uma oposição entre duas forças distintas, isto é, a luta de classes. Negar a
autonomia dos subalternos seria petrificar esse aspecto do processo histórico,
reduzi-lo à imobilidade, ou ainda, destruir sua história – e isso é o que fez a
historiografia na Índia (CHATTERJEE, 1983, p. 59).
Para Gayatri Spivak (1988), todo o trabalho dos Subaltern Studies é uma expansão e
enriquecimento da noção de subalterno desenvolvida por Antonio Gramsci – noção
essa que procura rebater a concepção que coloca o homem como um sujeito
passivo. A “heterogeneidade” que os subalternos representam só pode ser
descoberta, para a autora, quando o mesmo é visto na “posição de sujeito”.
Dessa forma, pondera-se a fragilidade da noção de nação e de democracia, quando
a elite, o estrangeiro e o indígena intervêm contra a emergência de um povo
comum (SPIVAK, 1988, p. xii). Não obstante, Edward Said afirma na introdução de
Selected Subaltern Studies que foi
através de Gramsci que se estabeleceu que onde quer que haja história, há
também classes, e que essa essência do histórico reside em uma longa e
extraordinária interação entre “governantes” e “governados”, entre elite
dominante, ou classe hegemônica, e classe subalterna, ou emergente classe de
governados pela coerção (SAID, 1988, p. vi). Ranajit Guha explica ainda que a
palavra “subaltern” no título assume o significado dado pelo Concise Oxford
Dictionary: “of inferior rank”, isto é, de grau inferior (GUHA, 1988, p. 35).
Nesse sentido, o termo será usado como uma atribuição geral para a subordinação
existente na sociedade sul- asiática, seja em termos de classe, casta, período
histórico, gênero ou estratificação. No entanto, reconhece-se que a subordinação
só pode ser entendida como um dos termos constitutivos de uma relação binária,
na qual “o outro” é a dominância – os grupos subalternos sempre sofrem a
iniciativa dos grupos dominantes, mesmo quando se rebelam e insurgem: só a
vitória “permanente” rompe, e não imediatamente, a subordinação (GRAMSCI,
2002b, p. 135).
No entanto, a distinção entre colonizados, migrantes,
proletários ou mesmo “subalternos” não pode se dar simplesmente através da
análise da sucessão cronológica, como alerta Lídia Curti (2006). Tratam-se, às
vezes, de condições simultâneas, frequentemente em sobreposição, das quais a
subalternidade é o denominador comum. Gramsci (2002b) alerta que com
frequência, os grupos subalternos são originalmente de outra raça (outra
cultura e outra religião) que não a dos dominantes e, muitas vezes, são uma
mistura de raças diversas, tal qual o é no caso dos escravos. Como exemplo, o
autor cita a questão da importância das mulheres na história romana, que é
semelhante à dos grupos subalternos até certo ponto; só num sentido o
“machismo” pode ser comparado a uma dominação de classe e, portanto, tem mais
importância para a história dos costumes do que para a história política e
social (GRAMSCI, 2002b, p. 138).
A sociedade indiana apresenta diversos fragmentos culturais
inseridos no âmbito da ‘subalternidade’, desde as pequenas religiões e
comunidades de casta, até os setores tribais, os trabalhadores industriais e os
grupos de mulheres ativistas, todos aqueles poderiam ser chamados de culturas e
práticas “menores”. Gyanendra Pandey (1999) ressalta a expectativa nacionalista
de que esses “grupos” se deixem cair no mainstream de uma cultura nacional. O
mainstream, que representa uma pequena seção da sociedade, tem sido
estabelecido e pintado como a cultural nacional. Tudo aquilo que pertence à
minoria, e é desafiador, singular ou local, aparece como ameaçador, intrusivo,
e até “estrangeiro”, “exterior” para o nacionalismo. A historiografia elevou o
Estado-Nação indiano ao status de fim de toda história, tanto que a disciplina
de História, nas escolas, colégios, e universidades na Índia, continuam a
terminar, em grande parte, em 1947 (PANDEY, 1999, p. 5). Foram criadas, com
isso, categorias binárias, das quais passou-se a trabalhar – secular/comunal,
nacional/local (frequentemente lido como “antinacional”), progressivo
(“econômico”)/ reacionário (“cultural”) – categorias que historiadores
começaram a questionar apenas recentemente, com destaque para os Subaltern Studies. A prática
historiográfica da elite falhou, entre outras coisas, por atribuir uma
qualidade “natural” para uma unidade particular, como no caso da “Índia” e ao
adotar o arquivo “oficial” como primeiro recurso do conhecimento
historiográfico – com isso, adotaram a visão do Estado estabelecido.
Para Dipesh Chakrabarty, a tendência em ler a história
indiana em termos de falta, ausência e imperfeição, se torna óbvia ao analisar
excertos de livros que tratam desse tema e é através dessas referências às
“ausências” e à “falha” da história ao cumprir seu compromisso que o projeto
dos Subaltern Studies se fez
(CHAKRABARTY, 1999, p. 5).
Chakrabarty (1999) atribui ao governo britânico a divisão
tricotômica da estrutura política moderna: o Estado, a sociedade civil e a
família (burguesa). O autor pretende destacar, com o exemplo de “bhadralok” –
termo utilizado para designar membros da alta classe média em Bangladesh –
certas operações culturais pelas quais os “indianos” desafiaram e modificaram
essas ideias de modo a colocar em questão dois fundamentais princípios da
modernidade – a família nuclear baseada no casamento harmonioso e a construção
histórica e secular do tempo. Os ingleses são tidos como poderosos devido à
disciplina, ao ordenamento e à pontualidade encontrados em todos os detalhes de
suas vidas e isso se apresenta como possível através da educação de suas
“mulheres”, responsáveis por levar as virtudes de disciplina ao lar.
Essa auto divisão do sujeito colonial – o duplo movimento de
reconhecimento através do qual ambos conhecem o “presente” como o lugar da
desordem e desejam uma disciplina que pode existir apenas em um futuro
imaginado, mas “histórico”, é como um “ensaio”, no contexto de discussão da
burguesia doméstica na Índia colonial, em uma narrativa de transição. Uma
construção histórica de temporalidade é precisamente o eixo pelo qual o sujeito
colonial se divide. Essa divisão é o que é a história – (re) escrever a
história é realizar essa divisão novamente (CHAKRABARTY, 1999, p. 13).
Conclusão
Através da utilização da noção de subalterno e de sua
designação entendida generalizadamente como “de grau inferior”, parte-se de
Gramsci como pressuposto, e de sua reflexão acerca do camponês meridional.
Assim, segue-se adiante, ampliando o conceito de “subalterno” através de sua
utilização no mundo colonial e pós-colonial: com o migrante, o refugiado, etc.
(CURTI, 2006, apud DEL ROIO, 2007). Acredito que o uso desse conceito tenda a
ser expandido para além da perspectiva de classes, na qual Gramsci se insere,
de modo que o diálogo estabelece relação muitas vezes com direitos particulares
e de identidade cultural principalmente a partir de 1989 e do afastamento de
Ranajit Guha do grupo.7
No entanto, a tradução do conceito para o contexto indiano é
de extrema importância política e intelectual e se mostra de modo coerente à
obra de Antonio Gramsci. O grupo parte de uma posição claramente marxista e se
torna autônomo em relação a essa corrente. No entanto, não se trata de um
rompimento drástico e consciente. Tensões intelectuais e políticas estiveram
fortemente presentes ao longo dessa movimentação. É possível que o grupo possa
ter conformado um novo pensamento político subalterno, através das articulações
de correntes teóricas e políticas diversas.
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