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Foto: Roberto Michels |
Renato César Ferreira
Fernandes | O objetivo desta apresentação é desenvolver
a crítica de Gramsci a Roberto Michels em relação à teoría dos partidos
políticos. A teoria dos partidos políticos é a principal contribuição de
Michels à ciencia política. Foi a partir da análise dos partidos, de seu papel
e natureza, que o autor ítalo-germânico extraiu da realidade as principais leis
do desenvolvimento social.
A teoria do partido em Gramsci já foi objeto de análise de
diversos autores (COUTINHO, 1981, p. 117-126; GRUPPI, 1978, p. 73-76). Esta
teoria faz parte do núcleo central do pensamento de Gramsci. A analogia entre o
partido comunista e o príncipe de Maquiavel é relevante para entendermos a
localização que esse tema tem na estrutura teórica dos Cadernos do Cárcere. A crítica à teoria do autor ítalo-germânico
não é restrita apenas ao diálogo explícito, pois a análise de Gramsci foi
formulada além da crítica a Michels. É por isto que muitos pontos do diálogo podem
ser reconstruídos através de uma comparação à resposta dada pelos autores a
problemas correlatos.
É importante notar que, nos Cadernos do Cárcere, o objetivo de Gramsci não foi desenvolver uma
teoria geral dos partidos políticos, bem como também não o foi nas notas
específicas sobre partidos políticos. As principais passagens dos escritos de
Gramsci sobre a teoria dos partidos políticos são aquelas relacionadas à
discussão sobre Maquiavel e o novo príncipe. Nestas notas, o interesse de
Gramsci era desenvolver uma concepção sobre o papel do partido comunista. Todas
as outras notas foram considerações históricas ou gerais sobre os partidos
políticos, relacionadas a temas com os quais o autor trabalhou. Desta maneira,
é possível encontrar elementos para uma teoria geral dos partidos políticos nas
notas sobre o Ressurgimento, sobre os intelectuais, sobre o Estado, sobre o
fascismo, o economicismo, entre outras. Porém, nossa análise parte da crítica
de Gramsci à teoria dos partidos em Michels.
A teoria do partido
político em Roberto Michels
A teoria do partidos em
Michels é composta por diversos elementos. Tentaremos analisar aquí os
principais aspectos levantados pelo teórico ítalo-germânico. Os partidos
políticos sempre foram uma preocupação na obra de Michels. O início das formulações
teóricas de Michels coincide com os escritos nos quais o autor analisa a
socialdemocracia alemã (SPD), além de conflitos políticos de classe, como a
greve geral dos mineiros no Ruhr de 1905 e congressos sindicais (MICHELS,
1989). O primeiro escrito sobre partidos políticos do teórico ítalo-germânico é
de 1905, que é uma análise do SPD. Nesta análise, Michels caracteriza diversos
aspectos do partido, tais como: composição social, análise profissional dos
militantes do partido, análise social da direção partidária, análise sobre as
mulheres no SPD, os atritos internos ao partido e a mobilidade social no
interior do partido. É no conjunto desta análise que Michels começa a tirar
suas primeiras conclusões que o levaria, mais tarde, à elaboração da lei férrea
da oligarquia (Ibidem, p. 265).
A principal crítica de Michels à social-democracia é a adaptação
ao regime democrático. Em um texto intitulado I pericoli cui va incontro il partito socialista tedesco, de 1904,
o autor discute que o perigo principal para o SPD não era a impossibilidade de
modificar as instituições e a política do país em curto prazo, mas que o futuro
do partido enquanto organismo transformador estaba prejudicado, devido a
política da sua própria direção de adaptação ao regime político alemão. Para isto,
Michels utiliza o exemplo da política sobre a greve geral, a qual a direção do
SPD era contra, por princípio: a justificativa de Kautsky, o principal teórico
do SPD, era de que o “sistema de governo exclui a greve geral como
demonstração” (MICHELS, 1989, p. 151). Neste momento, Michels irá buscar a
explicação da adaptação do SPD ao regime alemão a partir de variados fatores: históricos,
psicológicos, pela pressão do parlamentarismo e pela força do Estado burguês
alemão (Ibidem, p. 153). Mas ao mesmo
tempo em que analisa estes problemas, que irão reaparecer na sua teoria dos
partidos políticos, Michels procura dar uma resposta, enquanto militante
socialista, a estes problemas: em última instância, a adaptação do SPD ao
Estado burguês é um erro subjetivo do partido. É por não ter uma vontade
corajosa da ação, um fermento revolucionário, que o partido alemão se adaptou.
Aqui, para Michels, é um problema subjetivo que pode ser resolvido com uma política
diferente, que eleve a consciência socialista do proletariado através da ação
política. Aqui a influência de Sorel, líder sindicalista revolucionário, é
importante para entender esta dimensão voluntarista de Michels.
É somente em 1907 que Michels rompe de vez com a
possibilidade de uma saída aos problemas levantados pela ação do SPD. Em um
estudo sobre a classe política, Michels incorpora a idéia de elite política
como necessária para o funcionamento das instituições políticas e discute como
se dá o processo de controle e de mudança da elite política destas
instituições. Para Michels, diferentemente de Pareto, a mudança das elites não
se deu por meio de um processo de circulação, mas através do amalgamento entre
as elites. Este processo é muitas vezes de absorção pela elite de parte da nova
elite (Ibidem, p. 451).
A partir daí, Michels se afasta cada vez mais dos partidos
aos quais era afiliado (SPD e o Partido Socialista Italiano) e começa a
realizar estudos sobre a questão da democracia e dos partidos políticos. Em
1910, escreve um texto fundamental para a sua teoria política: La democrazia e la ferrea legge
dell'oligarchia. Boa parte das teses de seu livro clássico sobre os
partidos políticos pode ser encontrada neste artigo. A primeira parte é
composta por uma análise de como a democracia transformou a aristocracia: para
manter-se no poder, a elite política aristocrática teve que buscar o
consentimento do povo. Mas este consentimento é sempre passivo, serve somente para
manter a aristocracia no poder. A partir desta análise, Michels pauta o
problema de como esta mesma tendência que faz a aristocracia manter um
consentimento passivo com o resto do povo, está presente nos partidos
socialistas e democráticos (Ibidem, p.
498). Na análise da tendência à oligarquia, Michels coloca como base o problema
da organização. Para qualquer setor social se expressar na sociedade, ele deve
se organizar. O problema é que uma organização de grande porte se baseia na
desigualdade entre os organizados: para que ela possa ter um funcionamento
efetivo é preciso que existam dirigentes e dirigidos. Os chefes são uma
representação fixa e estável, limitando o controle democrático a uma esfera
restrita. Passado um tempo, a atividade do chefe o torna, para os objetivos da
organização, uma necessidade inevitável, criando uma diferenciação entre os
dirigidos e os dirigentes: enquanto os primeiros estão liberados para agir pelo
partido, os segundos apenas se reúnem em atividades partidárias nos momentos em
que não estão trabalhando.
Outro elemento importante, que reforça a tendência à
oligarquia é a questão do centralismo. Um partido de combate, como são os
partidos socialistas, necessitam de uma organização para a guerra, não podem
agir cada um como quer. Para Michels, uma organização centralizada é o que pode
garantir a eficácia de um partido político. Neste sentido, o poder de
centralização está nas mãos dos dirigentes e, por isto, é um reforço à
oligarquização do partido.
Além disso, há uma transformação social e psicológica nos
dirigentes partidários. Mesmo que eles tenham origens subalternas, não
enfrentam mais a pressão dos patrões todos os dias e têm mais tempo para
estudar. Tudo isso faz com que os dirigentes tenham uma superioridade
econômica, histórica e intelectual em relação à massa de dirigidos (Ibidem, p. 503). Nos partidos operários,
para Michels, surge uma verdadeira diferença de classe entre os dirigentes e a
classe operária, pois os primeiros pertencem aos setores médios da sociedade, a
pequena burguesia (Idem, p. 504).
Essa alteração de classe é a base para as transformações psicológicas e a
defesa de sua posição de classe.
Toda esta análise de Michels se baseia em dados empíricos do
SPD alemão. O teórico ítalogermânico levantou, em toda a primeira década do
século, dados sobre as composições dos congressos e da direção dos partidos.
Nestes dados, percebeu que muito pouco mudava nas direções partidárias (Idem, p. 508).
Sua principal obra, Para
uma sociologia dos partidos políticos, escrita em 1912, é a reunião de todas
estas análises anteriores e de algumas novas formulações. O ponto fundamental
da obra é a perspectiva da discussão. O título da obra leva os leitores a
considerar o livro como um tratado para uma teoria dos partidos políticos. E o
livro tem elementos que possibilitam esta conclusão e que, nada mais são do que
a reescrita dos elementos anteriormente citados. Mas a principal discussão do livro
não é sobre os partidos políticos, mas sobre os limites da democracia e da
representação política: a discussão é se é possível uma democracia, no sentido
de que a maioria das pessoas, efetivamente, governe (conceito retirado de
Rousseau). A análise dos partidos políticos é justamente a demonstração de que
isto não é possível, já que em toda vida social, o princípio da organização leva
a oligarquia. E a oligarquia é sempre o domínio de uma minoria sobre a maioria.
Aqui, recuperando elementos de anarquistas como Bakunin e Proudhon, mas chegando
a conclusões contrárias, Michels afirma que os regimes democráticos modernos
apresentam o utro problema: o efeito de miragem, já que eles escondem a minoria
que governa sob o argumento de que a maioria está governando (MICHELS, 2001, p.
423). Uma nova conclusão de Michels, a partir deste efeito de miragem dos
partidos na democracia moderna, é a definição de que os partidos, efetivamente,
não podem estabelecer um governo no qual a maioria governe, já que isto é
contrário, não somente à lógica de funcionamento da vida social, mas também dos
partidos políticos (Idem, p. 393).
Os escritos posteriores de Michels sobre os partidos
políticos baseiam-se, em sua maior parte, nas conclusões tiradas na primeira
década do século XX e na elaboração efetuada na Sociologia dos partidos políticos. A partir destes elementos, vamos
analisar agora, como Gramsci criticou esta teoria política dos partidos.
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