- Movimentos "espontâneos" de classes subalternas, concomitantes com uma crise econômica, segundo Antonio Gramsci, induzem grupos reacionários ao complô contra o governo.
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Na avenida Paulista, em São Paulo, manifestantes pedem a volta dos militares ao poder |
Claudio Bernabucci | Observo
duas reações opostas e erradas, mas de alguma forma convergentes, ao fermento
produzido no País pelas manifestações de protesto que têm agitado centenas de
praças brasileiras. A dos conservadores e reacionários, bem representados pela
“grande imprensa”, foi denunciada pelos setores democráticos e, no fim das
contas, facilmente desmascarada. Tinha fôlego curto: simplório demais foi o
jogo de cavalgar a indignação juvenil, depois de instintivo rechaço inicial, em
razão meramente antigovernamental. E agora o cobertor deles
está curto. De qualquer forma, quando vejo a direita executar seu mister habitual, nunca me escandalizo além do mínimo tolerável para minha saúde: egoísta, classista, imoral ou até sujo, sempre repito, seja o papel dela. Seria estranho o contrário.
está curto. De qualquer forma, quando vejo a direita executar seu mister habitual, nunca me escandalizo além do mínimo tolerável para minha saúde: egoísta, classista, imoral ou até sujo, sempre repito, seja o papel dela. Seria estranho o contrário.
Mais contraditória e problemática, do ponto de vista dos
interesses progressistas, é a reação de certos setores da esquerda, que oscila
entre o silêncio embaraçoso e a superficial simpatia, mas que de fato esconde
prevenção e se distancia dos movimentos de contestação social. Essa atitude
pode fazer o jogo dos adversários.
Ponto de partida da minha reflexão é que os protestos
recentes, prescindindo das modalidades, merecem a admiração de todos aqueles
que cultivam a esperança em um Brasil melhor, mais democrático e justo. Foi a
indignação pela degradação dos hábitos políticos e da convivência civil, a sede
de igualdade e novos direitos, que levantou a parte mais generosa dos cidadãos.
E isso constitui condição preliminar para qualquer evolução duradoura.
“Descuidar e, pior, desprezar os movimentos ditos
‘espontâneos’, ou seja, renunciar a dar-lhes uma direção consciente, a
elevá-los a um patamar superior, inserindo-os na política, pode ter
frequentemente consequências muito sérias e graves. Ocorre quase sempre que um
movimento ‘espontâneo’ das classes subalternas seja acompanhado por um
movimento reacionário da ala direita da classe dominante, por motivos
concomitantes: por exemplo, uma crise econômica determina, por um lado,
descontentamento nas classes subalternas e movimentos espontâneos de massa, e,
por outro, determina complôs de grupos reacionários que exploram o
enfraquecimento objetivo do governo para tentar golpes de Estado. Entre as
causas eficientes desses golpes de Estado deve-se pôr a renúncia dos grupos
responsáveis a dar uma direção consciente aos movimentos espontâneos e,
portanto, a torná-los um fator político positivo.” Não encontrei palavras mais
significativas do que essas de Antonio Gramsci (Cadernos do Cárcere, Volume 3)
para expressar meu ponto de vista em relação aos acontecimentos recentes. Longe
de mim considerar o pensamento do ilustre sardo como dogma infalível,
mas, mutatis mutandis, me parece que sua reflexão teórica se encaixa
perfeitamente na atual realidade brasileira.
O PT, partido que 30 anos atrás se forjou por meio de lutas
populares, hoje esquecidas, hesita entre a inércia e as tímidas ações de
retaguarda. Pego no contrapé por iniciativa política alheia, tem evidente
dificuldade em reconhecer um sujeito social – o movimento – ainda pouco
definido e que, sobretudo, escapa dos seus cânones de interpretação política.
Muitos intelectuais próximos ao PT, mais realistas do que o rei, competem entre
si para encontrar reservas ou distinções que nada constroem na direção
“gramsciana”, mas que, expressando desconfiança, só conseguem alienar-se da
simpatia dos jovens indignados e seus aliados.
Na pradaria política que se abriu entre a direita sem
projeto e a esquerda “tradicional” fechada em seu fortim destaca-se a constante
e premonitória iniciativa política de Marina Silva, que não por acaso cresce
impetuosamente nas intenções de voto. Verdade se diga, as motivações dos
protestos se estabelecem em sua visão como em nenhuma outra e sua rede se
oferece, hoje mais do que nunca, como receptora ideal de novas e antigas
reivindicações.
Na impossibilidade objetiva de construir sérias
reformas, políticas ou estruturais, nesse Parlamento em mãos
conservadoras, o PT e seu chefe indiscutível, Lula, tomariam iniciativa
construtiva se abrissem finalmente diálogo e colaboração com Marina, em vez de
hostilizá-la como o pior dos inimigos, porque sua imprevisível força no novo
Parlamento poderia constituir base de inéditas e promissoras alianças.