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João Guimarães Rosa ✆ Joakim Antonio |
Podemos considerar que Antonio Gramsci (1891-1937) foi um
filósofo basilar para elaboração de vários conceitos-chave ainda hoje
revisitados para se interpretar as condições sociais no capitalismo avançado.
Alguns deles se tornaram termos recorrentes nos debates sobre a cultura e os processos
sociais, como é, pois,o caso da noção de “nacional-popular”, a ser
reincorporada e tratada neste artigo. A partir das reflexões do pensador
italiano em questão, pode-se considerar que oreferido conceito se relaciona à
quebra do distanciamento estabelecido entre os intelectuaise artistas,e as
classes subalternas que lhes fornecem substrato narrativo, ou melhor, que lhes providenciam
conteúdo.
Tem-se, segundo Gramsci, colocada a provocação maior ao artista
dialético, a saber, tornar nacional e popular a vida de sujeitos comuns, sem elaborar
representações calcadas em umolhar caracteristicamente pitoresco e pretensamente
objetivo. A vida dos integrantes das camadas subalternas trazidas para a assim
chamada “grande literatura” (ou uma literatura universalmente válida), sem dada
folclorização ou se recorrer ao ato falacioso de um particularismo atroz, ao mesmo
tempo em que confereproblemas de caráter humano-universais às personagens
emolduradas pelaobra, sem que elas necessitem de afastar-se de seu chão
histórico.
Dito de outra formàs personagens representativas de dadaelite,
ou ainda a sujeitosinexistentes historicamente. O autor de Cadernos do cárcere estava
contra certa arte fascista que desenhava heróis inatos, ausentes de terreno
histórico, como foram representados, por exemplo,os santos da igreja oficial,
cuja força simbólica fez com que tais criaturas nascessem como que iluminadas,
escolhidas e especiais; e isto em termos políticos, como observouo pensador,
aumentavao paternalismo, que por sua vez, se constituía em moeda de troca com o
fascismo, no caso italiano. Assim se expressa Gramsci (1968), em Literatura e
vida nacional, a propósito da postura adotada por intelectuais e artistas
católicos, seu afastamento da matéria popular e os reverbérios desta diluição para
a formação de uma moralidade laica e difusa na Itália:
A literatura católica transpira apologética jesuíta, tal como o carneiro transpira, e cansa pela sua vulgar mesquinhez. A insuficiência dos intelectuais católicos e o pouco êxito de sua literatura são um dos mais expressivos indícios da íntima ruptura que existe entre a religião e o povo: este se encontra num miserável estado de indiferentismo e de ausência de vida espiritual ativa: a religião conservou-se na forma da superstição, mas não foi substituída por uma nova moralidade laica e humanista por causa da impotência dos intelectuais laicos (a religião não foi nem substituída nem intimamente transformada e nacionalizada, como em outros países, como o próprio jesuitismo na América: a Itália popular ainda está nas condições criadas imediatamente pela Contra-Reforma: a religião, na melhor das -se com o folclore pagão e conservou-se neste estágio). (Gramsci, 1968, p. 109)