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Helmut Reichelt |
E esse objeto é a
dinâmica do sistema real. Apenas tendo isso como pano de fundo é que faz
sentido travar uma discussão sobre o modo de apresentação, sobre o método
dialético e sobre a fórmula gasta de que o método não importa se descolado de
seu conteúdo. Frequentemente se enfatiza que algumas manifestações de Marx
sobre a dialética e sobre o método não contribuem de maneira suficiente para
decifrar essa relação complexa. Adorno suspeita até que “o dialético Marx não dispõe de uma concepção inteiramente desenvolvida
da dialética, com a qual ele pensa apenas flertar” (Adorno, 1972, p.306).
Mas de fato é só isso? Quando Marx se pronuncia em O capital
sobre o seu método de apresentação, sempre tem em vista esse “movimento
efetivo”, o “vínculo interno” das “diferentes formas de desenvolvimento”; e
acentua: caso consiga-se “apresentá-lo de forma correspondente” e “refletir de
modo ideal a vida da matéria”, terá que ser sob uma figura sistemática, de modo
que pareça “tratar-se de uma construção a priori” (Marx, 1872, p.27). O sistema
apresentado deve corresponder à dinâmica real, “refleti-la”. Mas como esse
“reflexo ideal”, a “vida da matéria” aparece em cada caso, é algo ainda não
esclarecido. E o próprio Marx contribuiu de modo significativo para desviar o
acesso ao método e à sua relação com os processos reais. Já foi assinalada a
supressão de um importante parágrafo no final da análise sobre a forma de
valor; o mesmo ocorreu com uma frase de conexão no capítulo sobre a acumulação,
que ainda se encontra na primeira edição do Livro I: “O desenvolvimento da
apresentação levará mais tarde, por sua própria dialética, àquelas formas mais
concretas”. Outros exemplos poderiam ser acrescentados, o que nos anos 1980
motivou Gerhard Göhler (1980) a chamar a atenção para tais “reduções”, como
indica o próprio título de sua discussão sobre o método marxiano. O leitor que
acompanhou tal temática e também consultou a correspondência entre Marx e
Friedrich Engels encontrará ainda mais coisas.
A continuação planejada por Marx de Para a crítica da
economia política, de 1859 – a segunda parte que ele tinha em vista – deveria
ser “muito mais popular e o método [estar]
muito mais oculto do que na primeira parte”, escreve Marx a Engels.4 Em outras
palavras: mesmo na própria edição da crítica das categorías feita sob os seus
cuidados, em 1859, o método encontra-se “oculto”, de tal maneira que o leitor
tem de recorrer ao volumoso Rohentwurf 5 de O capital, precisamente o texto
original de Para a crítica da economia política. Ali se supõe ao menos que o
método não esteja “oculto”. A própria linguagem em que o Rohentwurf foi
redigido mostra a sua grande proximidade com a filosofía de Georg Wilhelm
Friedrich Hegel. Marx indica expressamente “a grande ajuda” que a lógica
hegeliana teria “proporcionado” a ele no “método de elaboração”.6 Trata-se de
uma “dialética necessária” (Marx, 1857/58, p.421 e p.250), e do desenvolvimento
de “mudanças dialéticas” (ibidem, p.370). As categorias centrais da lógica
hegeliana – ser, aparência, essência – surgem de novo no contexto de seu desenvolvimento
das categorias econômicas, resumido na apresentação do “capital em geral”
(ibidem, p.231), que deve ser diferenciado do “conceito simples de capital”
(ibidem, p.327). E esse desenvolvimento do conceito de capital consegue algo
que apenas parecia possível ao conceito hegeliano – a reconstituição teórica da
dinâmica imanente do sistema objetivo que se expande até as posibilidades assinaladas
de sua superação prática: “O desenvolvimento preciso do conceito de capital –
conceito fundamental da economia moderna – exige, a exemplo do próprio capital,
do qual ele é o conceito abstrato contraposto, o alicerce da sociedade burguesa.
Da concepção nítida dos pressupostos fundamentais da relação devem resultar
todas as contradições da produção burguesa, assim como a frontera a partir da
qual ela é ultrapassada” (ibidem, p.250). Na metáfora de Hegel, tal como a
planta desenvolve-se a partir da semente, assim também a lei do capital se
desenvolve a partir de determinações simples, chegando até a sua superação imanente.
Nesse conceito simples de capital “devem estar contidas em si todas as suas
tendências civilizatórias etc.; e não aparecer, como ocorre na economia de agora,
simplesmente como consequências externas. Do mesmo modo, devem-se demonstrar as
contradições mais tarde liberadas como já presentes nele de forma latente”
(ibidem, p.327).7 A exigência não poderia ser maior: mesmo o desenvolvimento da
maquinaria deve ocorrer no contexto dessa imanência. “Desenvolver a introdução
da maquinaria a partir da concorrência e da lei, deduzida dela, da redução dos
custos de produção, é fácil. Trata-se de desenvolvê-la a partir da relação do
capital com o trabalho vivo, desconsiderando outro capital” (ibidem, p.668).
Marx postula ter reproduzido a dinâmica interna desse processo objetivo nesse
conceito de capital, o que possibilitaria conceber a criação de novas relações sociais
na sua lógica objetiva de desenvolvimento.
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