
I. As "revistas
tipo" no programa de estudos esboçado no cárcere
Nosso interesse sobre as reflexões de Gramsci a respeito das
"revistas tipo" e sua relação com o problema da cultura nasceu dos
estudos que realizamos sobre sua proposta para a escola, entendida como
organização da sociedade civil essencialmente ligada à conquista da hegemonia
(cf. DORE SOARES, 2000; 2005).
A questão da escola, no entanto, não aparece nos primeiros
planos de estudo que Gramsci esboçou no cárcere. Ao tratar do problema da
cultura e da elevação da consciência dos trabalhadores, do senso comum ao nível
filosófico, ele toma inicialmente as revistas – e não a escola – como referência
da atividade educativa. Assim, já em fevereiro de 1929, no seu primeiro plano
de estudo do cárcere (GRAMSCI, 1977, p. 5-6), Gramsci menciona as
"revistas tipo" no ponto 14 (Revistas tipo: teórica,
crítico-histórica, de cultura geral), enquanto a escola somente vai aparecer em
seus programas de novembro-dezembro de 19301 e
de fevereiro-abril de 1932 (idem, p. 936: Ponto 1º - Intelectual, Questões
da escola), no qual as revistas são incorporadas ao item sobre jornalismo
(ibidem: Item 10º, Notas sobre o jornalismo).
Na discussão sobre as revistas, Gramsci liga a sua atividade
editorial à formação de intelectuais. É um nexo que, certamente, vem de sua
própria experiência jornalística, desde Il grido del
popolo (1917-1918) até as atividades educacionais em torno da
revista L'Ordine Nuovo (1919-1920)2.
Então, Gramsci ainda não amadurecera suas reflexões sobre o Estado e a
sociedade civil. Posteriormente, já no cárcere, ele apresenta suas mais ricas
contribuições à análise do Estado capitalista, mostrando as complexas relações
entre sociedade política e sociedade civil e desvendando o caráter
contraditório desta última, como "aparelho privado de hegemonia"3 .
É quando ele explicita a importância da escola 4 para
a formação de quadros intelectuais e formula a sua proposta para a escola unitária,
como uma escola para todos, sob a hegemonia de um novo grupo social cujo
objetivo político é a realização da igualdade social.
Ao apresentar a proposta da escola unitária, Gramsci deixa
claro que seu advento "significa o início de novas relações entre o
trabalho intelectual e o trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda
a vida social" (idem, p. 1538). A construção da escola unitária começaria
já no próprio capitalismo, tendo como horizonte alcançar novas relações entre
vida e cultura, uma situação de igualdade social. Propunha a elevação civil das
massas populares, que não seria conseqüência mecânica de mudanças econômicas,
mas resultaria de um intenso trabalho cultural. O princípio unitário, por isso,
deveria estar presente "em todos os organismos de cultura,
transformando-os e lhes dando um novo conteúdo" (idem, p. 1538). As linhas
de funcionamento da escola unitária deveriam ser desenvolvidas e constituir uma
referência para orientar a organização de um centro de cultura, desde o nível
mais elementar e primitivo ao mais complexo (idem, p. 1539).
Tal formulação de Gramsci sobre os princípios da escola
unitária como guias para organizar um centro de cultura, em toda a sua
estrutura, expressa o aprimoramento de uma reflexão sobre a atividade educativa
como estratégia para a conquista da hegemonia que começa com suas proposições
sobre as revistas.
Dando uma completa reviravolta na concepção de cultura como
dimensão inteiramente subordinada à economia, dominante no movimento operário
de sua época, ele entende que a fundação de um novo Estado depende de um
processo muito mais amplo de criação de uma nova civilização5.
Por isso, considera imprescindível "organizar a cultura", ampliando
os meios para difundir novas concepções do mundo que permitissem às classes
subalternas tomar "consciência de si", dos seus próprios fins e fazer
sua história. Nesse sentido, afirma ser necessário mudar a concepção de mundo
das classes subalternas, suas ideologias, criando uma nova ética, uma
"norma de conduta" adequada à nova visão do mundo. Aí se encontra a
base de uma reforma intelectual (concepções de mundo) e moral (norma de
conduta) – teórica e prática –, essencial à fundação de um novo Estado, pois
poderia levar a uma nova "direção cultural", à conquista da hegemonia
por parte das classes subalternas.
A elaboração do conceito de hegemonia se insere no esforço
teórico de Gramsci para recuperar a metodologia dialética na análise do nexo
entre estrutura e superestrutura, economia e política. Com essa intenção, ele
mostra que, em Marx, além do aspecto da força e da economia na análise do
Estado, também está contido in nuce "o aspecto ético-político da
política ou a teoria da hegemonia e do consentimento" (idem, p. 1315).
Nessa discussão, assume especial relevo a ênfase que Gramsci dá à asserção de
Marx segundo a qual "os homens tomam consciência de seus deveres no
terreno ideológico, das superestruturas", isto é, "da própria força,
do próprio tornar-se um grupo social" (idem, p. 436-437)6 .
Ele retoma diversas vezes tal postulado de Marx, nele identificando um
princípio gnosiológico, nem materialista nem idealista. Afirma que se trata de
uma formulação gnosiológica, de caráter dialético, pois mostra que, no
movimento da história, não há predominância nem da existência nem da consciência.
No ato histórico, esses contrários se identificam: a atividade humana é
"história-espírito" em concreto, inextricavelmente ligada a "uma
certa 'matéria' organizada (historicizada), à natureza transformada do
homem" (idem, p. 1492).
Essas reflexões de Gramsci, cujo objetivo é o de
reconstituir a perspectiva dialética adotada por Marx para a análise da
sociedade, guiam-lhe na crítica ao que chama "fórmula de 1848"7,
isto é, a estratégia apresentada pelo próprio Marx, junto a Engels, para
destruir o Estado capitalista. Com Marx, mas avançando o seu pensamento ao
levar em conta as mudanças históricas, Gramsci propõe, em contrapartida, a
estratégia da "hegemonia civil". Uma estratégia cuja eficácia se
sustenta no processo de difusão de concepções de mundo e de obtenção do
consentimento das grandes massas populares à determinada ideologia (concepção
de mundo), abraçando-a, pondo-a em prática e convertendo-a em história. Por
isso, enquanto em Marx a dimensão da cultura não é expressão de relevo para um
projeto revolucionário, em Gramsci ela é dimensão basilar de uma "reforma
intelectual e moral" para a conquista da hegemonia e a transformação da sociedade.
E é o próprio Marx quem lhe fornece os argumentos para identificar o valor das
idéias e as suas possibilidades de vir a se transformar em história. A esse
respeito, Gramsci recorda diversas vezes a concepção de Marx de que as idéias,
quando assumem a "força granítica das crenças populares",
convertem-se em poder material (idem, p. 1595). A referida proposta marxiana
coloca o problema de engendrar uma nova sociedade a partir da difusão de um
complexo ideológico que ganhe a mesma solidez "material" das crenças
populares (idem, p. 869), tornando-se uma "vontade coletiva" capaz de
modificar a história.
Gramsci tem em vista a organização de uma nova civilização.
E busca o seu modelo crítico no desenvolvimento da Reforma Protestante e do
Renascimento que, para ele, são movimentos ricos de sugestões pedagógicas
(idem, p. 891). Ambos promoveram o nascimento de uma nova civilização,
realizando-se na esfera de elite (Renascimento) e na de massas (Reforma
Protestante). Aí, ele identifica a questão pedagógica: uma proposta visando a
criar uma nova civilização exige a elaboração de atividades culturais nas duas
esferas, a de elite e a de massas. Mas o que torna a proposta mais complexa,
assinala o autor, é que as duas atividades são apenas uma: o trabalho de elaboração
de uma elite não pode se separar do de educar as grandes massas populares. Tal
é o significado do nexo entre Renascimento e Reforma que Gramsci tem em mente
quando focaliza a atividade editorial em torno das revistas e o seu papel como
difusoras de concepções de mundo. O seu propósito é o de criar condições e
fomentar múltiplas iniciativas para realizar uma "reforma intelectual e
moral" no plano político e cultural.
II. As "revistas
tipo" como instrumento para organizar a cultura
Assim como a luta contra o analfabetismo não é a mesma coisa
que criar uma escola para analfabetos, a discussão de Gramsci sobre as revistas
tipo é mais do que uma luta a favor da organização da cultura para criar uma
nova civilização (idem, p. 790). Para eliminar o analfabetismo, por exemplo,
não basta a luta política. É necessário, além disso, contar com uma escola que
efetivamente ensine a ler, a escrever e a contar. Nesse âmbito, apresenta-se a
questão das revistas como referência para organizar a cultura. Não basta a Gramsci
uma política cultural. Ele defende a necessidade de se dispor da técnica, isto
é, dos meios materiais para desenvolver uma ação cultural. Por isso, observa
que as revistas devem constituir um instrumento para reforçar as instituições
culturais. "[...] Por si mesmas as revistas são estéreis se não se tornam
a força motriz e formadora de instituições culturais de tipo associativo de
massa, isto é, cujos quadros não estão fechados. Isso também se aplica às
revistas do partido; não é necessário crer que o partido constitua por si mesmo
a 'instituição' cultural de massa da revista. O partido é essencialmente
político e também a sua atividade política é cultural: as 'instituições'
culturais devem ser não apenas de 'política cultural', mas de 'técnica cultural'"
(idem, p. 790-791).
A intenção de Gramsci é esta: criar uma escola para
"analfabetos". Pensar as possibilidades práticas de educar,
metodicamente, as grandes massas populares, desenvolvendo todos os meios
culturais para extirpar o "analfabetismo" no sentido mais amplo de um
analfabetismo cultural. Com esse propósito, ele realiza uma vasta pesquisa
sobre a organização da cultura.
Já no primeiro Caderno, apresenta o esboço daquilo que
entende ser a condição principal (mas não a única) para organizar a cultura: a
"difusão, por um centro homogêneo, de um modo de pensar e de agir
homogêneo" (idem, p. 33). No Caderno 19, Gramsci formula duas linhas para
a hegemonia de um centro de cultura: 1) "uma concepção geral de vida"
e 2) "um programa escolar", isto é, "um princípio educativo e
pedagógico original que interesse e dê uma atividade própria, no seu campo
técnico, àquela fração dos intelectuais que é a mais homogênea e a mais
numerosa (desde os professores da escola elementar até os professores da
Universidade)" (idem, p. 2047).
No que concerne ao item 1, Gramsci focaliza os problemas
relacionados à filosofia da práxis e à exigência de superá-los para que essa
filosofia viesse a se constituir um ponto de referência para uma
"concepção geral de vida". Então, a filosofia da práxis era objeto de
duas diferentes interpretações: a materialista e a idealista, em outras
palavras, a assim chamada "corrente ortodoxa", positivista
(representada por Plekanov), e a sua oposta, não positivista (tendo como
expoente Otto Bauer) (idem, p. 1507). Para afrontar o problema do ponto de
vista da organização de um centro de cultura capaz de divulgar uma
"concepção geral de vida", fundada no marxismo, Gramsci propõe, já no
Caderno 3 e depois no Caderno 11, que as revistas assumam um tratamento
analítico e sistemático das publicações de Antonio Labriola sobre a filosofia
da práxis8.
As suas posições sobre o marxismo, de acordo com as quais a filosofia do
marxismo está contida no próprio marxismo, e a sua tentativa para lhe dar uma
base científica deveriam ser divulgadas porque contribuiriam para desenvolver a
filosofia da práxis e eram pouco conhecidas para além de um pequeno grupo
(idem, p. 1507).
Quanto ao item 2, a pesquisa de um princípio educativo que
guiasse a organização de um centro de cultura, Gramsci encontra esse princípio
na escola humanista e o define como o "conceito de trabalho",
reflexão que aparece no caderno 12 ("para a pesquisa do princípio
educativo" (idem, p. 1540-1541)). No caderno 24, ele reintroduz suas
idéias sobre aquele centro homogêneo de cultura, anunciado no Primeiro Caderno,
cuja implementação requer duas estratégias fundamentais: a didática e a
organizativa (idem, p. 2288).
A estratégia didática diz respeito aos métodos de elaboração
da cultura e da consciência. Refere-se à aquisição de um pensamento metódico, o
qual depende de uma "especialização", pois, para Gramsci, o
pensamento lógico não é espontâneo, mas depende de uma técnica. Os intelectuais
têm um método próprio de pensar que opera com indução e dedução, sistema do
qual carece a maior parte das pessoas (idem, p. 2267). O trabalho de educação
de um método para pensar é complexo, mas é uma tarefa fundamental à organização
de um centro homogêneo de cultura. É um trabalho que "deve ser articulado
e graduado: deve haver a dedução e a indução combinadas, a identificação e a
distinção, a demonstração positiva e a destruição do velho. Mas não em abstrato
e sim em concreto; com base no real e na experiência efetiva" (idem, p.
2268).
Já a estratégia organizativa de um "centro unitário de
cultura", Gramsci a formula tendo como referência a atividade editorial
das revistas, seja quanto à organização do seu trabalho de publicação, seja
quanto à sua atuação na sociedade para esclarecer idéias e difundir um modo de
pensar. Ele se preocupa com aquela parte do "público que é muito ativa
intelectualmente, mas apenas em estado potencial" (idem, p. 2263) e que
poderia ser estimulada culturalmente com o trabalho das revistas. A atividade
jornalística, entretanto, deveria ir além da satisfação das necessidades de
"certa categoria" social. Deveria também "criar e desenvolver
essas necessidades e assim promover, num certo sentido, o seu público,
estendendo progressivamente a sua área" (idem, p. 2259). Essa é a
concepção de Gramsci sobre o "jornalismo integral". Seu horizonte é a
emergência de "outra situação", na qual fosse possível "construir
um edifício cultural completo", que seguisse princípios
"racionais", isto é, tivesse determinadas premissas e determinados
fins a serem alcançados (idem, p. 2259). Enfim, uma nova civilização.
A atividade editorial das revistas, portanto, faz parte da
construção do edifício cultural completo. As revistas do chamado "primo
Novecento", primeiras décadas do século XX, tinham assumido a função de
promotoras de idéias e de projetos, também no plano social e cultural, além
daquele estritamente literário9.
Gramsci as classifica em três tipos, de acordo com o modo de sua compilação, o
tipo de leitor ao qual se dirigem e os fins educativos que pretendem atingir: o
tipo teórico, o "crítico-histórico-bibliográfico" e o de cultura
geral (idem, p. 2263).
O primeiro tipo, o teórico, é aquele que combina elementos
diretivos com um corpo editorial especializado. É representado pelas
revistas La Critica10 ,
dirigida por Benedetto Croce e impressa em Bari, de 1903 a 1944;Politica,
fundada em fins de 1918 por Francesco Coppola11 e
Alfredo Rocco12 ,
figuras representativas da história do nacionalismo italiano, ambos
nacionalistas convictos, e Nuova Rivista Storica, fundada em 1917 por
Corrado Barbagallo13 .
Trata-se de revistas organizadas por jornalistas polêmicos, que procuravam
renovar o estilo literário, discutindo livros italianos e estrangeiros, de
filosofia, história e literatura.
Os redatores que garantem a publicação de revistas do
primeiro tipo, assinala Gramsci, devem ser especializados, "capazes de
fornecer, com uma certa periodicidade, um material cientificamente elaborado e
selecionado" (idem, p. 2271). Além disso, devem ter alcançado certo grau
de homogeneidade cultural entre si, o que é algo muito complexo e já representa
um nível mais elaborado de um movimento intelectual. As revistas do primeiro
tipo poderiam ser substituídas ou antecipadas pela publicação de um
"Anuário", o qual, ressalta Gramsci, nada tem a ver com a idéia de
Almanaque popular, "cuja compilação está ligada qualitativamente ao jornal
diário, isto é, organizada com vistas ao leitor médio do cotidiano" (idem,
p. 2271-2272). O Anuário14,
ao contrário, deveria ser preparado de acordo com um plano, abrangendo muitos
anos, de modo a acompanhar o desenvolvimento de um determinado programa,
focalizando apenas um tema, cuja abordagem poderia ser subdividida em várias
seções que tratassem de questões fundamentais, como "a constituição do
Estado, a política internacional, a questão agrária etc." (idem, p. 308).
Já o segundo tipo de revistas, o
"crítico-histórico-bibliográfico", consiste num exame analítico de
obras às quais muitos leitores que precisam desenvolver-se intelectualmente não
podem, em geral, a elas ter acesso. Para leitores que não têm hábitos
científicos, diz Gramsci, seria importante também permitir-lhes o acesso ao
complexo processo analítico que deu origem ao ensaio sintetizado, ajudando-os a
procurar elaborar uma atividade crítica. Mas não se trata de apresentar-lhes
conceitos já elaborados e consolidados e sim de oferecer-lhes uma série de
reflexões e nexos intermediários que lhes permitam desenvolver o raciocínio na
pesquisa de respostas para os problemas afrontados nos livros. E mais: deve-se
fornecer ao leitor o "equipamento" mental para compreender o processo
que permite ao redator fazer a resenha do livro.
O segundo tipo é representado pela revista La Voce15,
fundada em 1908 por Giuseppe Prezzolini com o objetivo de renovar a cultura
italiana e de chamar a atenção para a modernidade; pela revista L'Unità16 ,
dirigida por Gaetano Salvemini (cujo pseudônimo era Rerum Scriptor) de 1911 a
1920; bem como os fascículos mais bem-sucedidos da revista Leonardo17 ,
dirigida por Luigi Russo. Essas são revistas combativas, mas não são meramente
de propaganda. Realizam a difusão de idéias, como o meridionalismo
salveminiano, a renovação do idealismo, no caso da La Voce, tentam mudar o
ambiente e os hábitos intelectuais e são portadoras de propostas políticas.
Para o tipo de revista
"crítico-histórico-bibliográfico", Gramsci apresenta sete itens que
poderiam compor a sua elaboração: 1) um dicionário enciclopédico
político-científico-filosófico; 2) as biografias, que podem ser compreendidas
em dois sentidos: a) em referência a toda vida de um homem que possa interessar
à cultura geral de certo estrato social, b) relativo a um nome histórico que
possa entrar num dicionário enciclopédico a propósito de um determinado
conceito ou de um evento histórico de destaque; 3) autobiografias18 político-intelectuais,
que se bem construídas podem ser de "grande eficácia formativa"
(idem, p. 2226); 4) análise crítico-histórico-bibliográfica das situações
regionais; 5) uma seleção sistemática de jornais e revistas para a parte que
interessa aos itens fundamentais abordados; 6) resenhas de livros, que podem
ser de dois tipos: a) crítico-informativo, no qual se supõe que o leitor não
pode ler um determinado livro, mas que lhe possa ser útil conhecer o seu
conteúdo e b) teórico-crítico, o que supõe que o leitor deva ler um determinado
livro, o qual não será simplesmente resenhado, mas será objeto de uma análise
crítica, ressaltando seus aspectos positivos e negativos e 7) uma seleção
bibliográfica crítica, organizada por temas ou grupo de questões (idem, p.
2267).
As resenhas críticas também são analisadas no caderno 8, sob
a rubrica "revistas tipo" (Cf. GRAMSCI, 1977, p. 976: Caderno 8,
"Revistas tipo. As resenhas. Texto B"). Ali, Gramsci assinala a
existência de diversos tipos de resenhas, tendo em vista o tipo público e o
objetivo de estimular um determinado movimento cultural. Ele destaca dois tipos
de resenha, o sintético (esquemático) e o crítico19.
A resenha de tipo sintético destina-se aos livros cuja leitura o grupo redator
considera necessário recomendar, mas cujos limites e cujas deficiências
parciais são claramente indicadas. Já a resenha crítica tem uma grande
importância para Gramsci, pois é por ele considerada uma contribuição do
resenhista à abordagem do tema examinado no livro resenhado. Por isso, ela não
pode expressar uma generalidade de juízos críticos, mas exige para sua
confecção resenhistas especializados (idem, p. 976).
O terceiro tipo de revista, o de cultura geral20,
deveria combinar alguns elementos do segundo tipo (o
"crítico-histórico-bibliográfico") com o tipo de semanário inglês,
tal como o Manchester Guardian Weekly e o Times Weekly21.
Gramsci se refere, principalmente, aos suplementos desses jornais porque
considera que um cotidiano bem feito poderia ter suplementos mensais que
penetrariam aonde dificilmente um cotidiano penetraria. Os suplementos deveriam
ter um formato diferente daquele dos diários, mesmo se tivesse o título do
cotidiano, seguido do título da matéria a ser tratada. Ele considera três tipos
de suplementos. O primeiro é o literário, que deveria tratar de filosofia, arte
e teatro. Esse suplemento deveria também ter uma parte dedicada à escola. O
segundo deveria focalizar a economia, a indústria, o sindicato, aproximando-se
de um semanário político, resumindo toda a política da semana. O terceiro teria
uma parte especificamente agrícola, destinada aos camponeses que não lêem os
cotidianos. Além disso, deveria ter um suplemento esportivo (idem, p. 727).
Gramsci considera que, na falta de um centro político e intelectual nacional na
Itália, deveria ter muito sucesso um tipo de suplemento semanal no modelo
inglês, tal como o Observer ou o Times Sunday, que a cada semana
informa os leitores que não lêem o jornal ou que desejam ter um quadro
sintético da vida de toda a semana. O tipo de semanário tradicional italiano,
ao contrário, tinha um caráter provinciano, sem interesse pela própria vida
nacional, dando grande importância à polêmica pessoal (idem, p. 776-777).
No tipo de revista de cultura geral, Gramsci menciona a
revista Osservatore22,
publicada em Veneza (de 1761 a 1762) e dirigida por Gasparo de Gozzi, cuja
inspiração vinha da revista Spectator23,
publicada em Londres por Joseph Addison, em colaboração com Richard Steele (de
1711 a 1714). É um tipo de revista moralizante do século XVIII, que equilibrava
o interesse pela crônica e o jornalismo com o gosto pela escrita narrativa e
moralista. O seu significado histórico e cultural, assinala Gramsci, foi o de
"difundir uma nova concepção da vida, servindo de anel de passagem, para o
leitor médio, entre a religião e a vida moderna" (idem, p. 2270). Ele
observa que esse tipo de revista degenerou-se, tendo sido conservado sobretudo
no campo católico, enquanto no campo da civilização moderna transformou-se: a
"crítica construtiva" aos costumes desembocou nas revistas
humorísticas (ibidem).
Como exemplo de variação do tipo de revista de
"bibliografia universal e enciclopédica", que critica o conteúdo a
partir de uma perspectiva moralizadora, extraindo seus motivos dos livros para
fazer a crítica dos costumes e das concepções de mundo (opiniões e pontos de
vista), Gramsci refere-se a duas revistas: a Frusta Letteraria24 ,
de Giuseppe Baretti, e a Lacerba25,
uma revista literária florentina, fundada em 1913 por Giovanni Papini e Ardengo
Soffici.
O tipo de revista de cultura geral, segundo Gramsci, é
aquele que pertence "[...] à esfera do 'senso comum' ou 'bom senso',
porque o seu fim é o de modificar a opinião média de uma certa sociedade,
criticando, sugerindo, caçoando, corrigindo, reformulando e, definitivamente,
introduzindo 'novos lugares comuns'. Se bem escritas, com brio, com um certo
senso de destaque (de modo a não assumir tons professorais), mas de todo modo
com interesse cordial pela opinião média, as revistas desse tipo podem ter
difusão e exercer uma profunda influência" (idem, p. 2271).
Ainda no que diz respeito à questão dos costumes – e da
cultura – Gramsci aborda a ausência de uma perspectiva "cosmopolita"
das classes subalternas que, em nível internacional, estão muito mais distantes
de outras classes subalternas. Mesmo se "cosmopolitas" por programa e
pelo destino histórico, não o são pelos costumes e pela cultura real. Já as
classes dominantes estão mais próximas entre si no campo dos costumes e da
cultura. A reflexão de Gramsci sobre as "revistas tipo" tem em vista
justamente esse objetivo: organizar condições que propiciem a elevação cultural
das classes subalternas, para criar uma consciência homogênea e, assim,
construir a sua hegemonia.
Cada tipo de revista deveria ser caracterizado, afirma
Gramsci, "por uma tendência intelectual muito unitária e não antológica,
isto é, deveria ter uma redação homogênea e disciplinada; portanto, poucos
colaboradores "principais" deveriam escrever o corpo essencial de
cada fascículo. O grupo redator deveria ser fortemente organizado de modo a
realizar um trabalho homogêneo intelectualmente, na necessária variedade do
estilo e das personalidades literárias: a atividade editorial deveria ter um
estatuto escrito que, por aquilo a que pode servir, impeça as digressões, os
conflitos, as contradições (por exemplo, o conteúdo de cada fascículo deveria
ser aprovado pela maioria dos redatores antes da publicação)" (idem, p.
2263).
Para Gramsci, um "organismo unitário de cultura"
que difundisse os três tipos de revista, mantendo entre eles um espírito comum,
permitiria responder às exigências de um público cuja vida intelectual é
potencialmente muito ativa, mas ainda tem necessidade de ser elaborada,
transformada e homogeneizada segundo um "processo de desenvolvimento
orgânico que conduza do sim ples senso comum ao pensamento coerente e
sistemático" (ibidem).
Diante do desafio de dedicar-se a um público que apenas
inicia a vida cultural, as publicações realizam uma atividade indispensável
para o seu saber. Todavia, a revista não pode criar o interesse intelectual e
científico onde ele não existe ou substituir o "cérebro pensante"
(idem, p. 975).
Quando o objetivo de uma atividade cultural é o de atingir
um público que tem uma cultura média ou apenas está iniciando a vida cultural,
Gramsci considera que o serviço de informações críticas26 sobre
todas as publicações a respeito de um determinado tema é obrigatório. Não é
possível a ninguém acompanhar individualmente todas as publicações sobre um
grupo de temas ou mesmo sobre um só tema (idem, p. 975). Todavia, a revista
pode mantê-lo informado de tudo o que é publicado sobre assuntos de seu
interesse (no caso dos governantes, estes dispõem de uma secretária ou um
escritório de imprensa que desempenha o papel de garantir informações exigidas
para o seu saber).
A perspectiva de Gramsci é a de que o trabalho educativo das
revistas contribua para a aquisição de uma consciência própria, tendo em mira a
elevação do nível cultural das classes subalternas para que elas possam se
transformar em classe dirigente. Eis que sua abordagem sobre a formação de
dirigentes reativa a conexão entre a atividade editorial das revistas e a
organização da escola.
III. A atividade
editorial e a escola unitária: a formação de dirigentes
Gramsci considera que, com a complexidade das sociedades
industriais e o entrelaçamento entre ciência e vida, surgiram duas grandes
dicotomias na clássica formação da classe dirigente.
Uma delas diz respeito à divisão da atividade dos órgãos
deliberativos em dois aspectos orgânicos: de um lado, a atividade deliberativa,
"que lhe é essencial" e, de outro, a atividade técnico-cultural, por
meio da qual "as questões sobre as quais se deve tomar decisões são
primeiramente examinadas por especialistas e analisadas cientificamente"
(idem, p. 1532). Tal diferenciação interna aos órgãos deliberativos produziu
uma nova estrutura no corpo burocrático. Desse modo, "além dos escritórios
especializados de especialistas que preparam o material técnico para os corpos
deliberativos, cria-se um segundo corpo de funcionários, mais ou menos
'voluntários' e desinteressados, escolhidos por sua vez na indústria, no banco,
no sistema financeiro" (ibidem). Esse novo corpo de funcionários, segundo
Gramsci, deu lugar a uma hierarquia de especialistas que assumiu o controle dos
regimes democráticos e dos parlamentos.
A nova caracterização dos especialistas abriu uma crise no
tipo tradicional de dirigente que, "preparado apenas para as atividades
jurídico-formais, se torna anacrônico e representa um perigo para a vida
estatal". Configura-se, então, um novo perfil de dirigente, o qual
"deve ter aquele mínimo de cultura geral técnica que lhe permita, senão 'criar'
autonomamente a solução correta, ao menos saber julgar as soluções apresentadas
pelos especialistas e assim selecionar aquela mais adequada do ponto de vista
'sintético' da técnica política". Assim, passa a ser necessário mudar a
formação do pessoal técnico-político de acordo com as exigências da grande
sociedade moderna, bem como de "elaborar novos tipos de funcionários
especializados que integrem de forma colegiada a atividade deliberativa"
(ibidem).
Ao tratar das mudanças na qualificação do dirigente, que
acentuam a exigência de uma preparação técnica para a análise científica das
questões sobre as quais se deve tomar decisões em colegiado, Gramsci acrescenta
que já havia anteriormente abordado a atividade de um "colegiado
deliberativo". Foi quando examinou o que acontece nas redações de algumas
revistas que funcionam, ao mesmo tempo, como redações e como círculos de
cultura, cuja atividade é organizada segundo um plano e uma divisão do trabalho
racionalmente estabelecida (idem, p. 1533).
Assim, quando discute novos aspectos da formação de
dirigentes, Gramsci retoma suas idéias sobre a organização das revistas e dos
seus métodos de trabalho (sugestões, conselhos, indicações metodológicas,
crítica construtiva, educação recíproca). Na atividade de publicação, cada
especialista realiza discussões e críticas sobre um determinado argumento, de
modo colegiado, que contribuem para compor uma competência coletiva, isto é,
para elevar o nível médio de cada redator, considerado individualmente, ao
nível do mais bem preparado e capacitado. Essa forma de trabalho permite que a
revista tenha uma colaboração sempre mais selecionada e orgânica, bem como
"um grupo homogêneo de intelectuais preparados para produzir uma atividade
editorial regular e metódica" (ibidem). A ênfase sobre um trabalho
metódico tem também o objetivo de combater o diletantismo e a improvisação,
aspectos que Gramsci considerava incompatíveis com a formação de dirigentes.
A outra fragmentação ocorrida na formação de dirigentes
consistia no dualismo da escola, que teve lugar quando esta foi dividida em
escola clássica humanista, para preparar dirigentes, e outra, de tipo
profissional, para as classes subalternas. Para afrontar tal dicotomia, Gramsci
propõe a escola unitária, de cultura geral e técnica (idem, p. 1531). O
princípio unitário nasce daquela perspectiva de criar uma nova situação, em que
exista unidade entre o trabalho industrial e o trabalho intelectual. Uma nova
civilização. A organização prática da escola unitária, que tem em vista a elevação
cultural das massas populares, é concebida a partir da atividade editorial das
revistas. Por sua vez, ao serem formuladas, as linhas de funcionamento da
escola unitária também passam a orientar a organização de toda a atividade
cultural.
Assim, da análise da atividade editorial das revistas como
estratégia para formar o novo dirigente, retornamos à organização da escola
unitária, que foi o nosso ponto de partida. A escola unitária se integra ao
"edifício" das organizações culturais, que deveria se constituir de
forma centralizada em torno da sistematização do saber, expansão e criação
intelectual para impulsionar a cultura nacional (idem, p. 1539). Apenas desse
modo o conjunto das organizações culturais existentes deixaria de ser
"cemitérios de cultura". As instituições culturais, desde as
academias, passando pelos institutos de cultura, círculos filológicos, até
chegar às universidades, deveriam ser reorganizadas de acordo com o princípio
da unificação, convertendo-se numa organização cultural viva, por meio de uma
estreita colaboração entre os que se inserem no mundo do trabalho e aqueles que
estão no mundo acadêmico e na universidade. O objetivo é o de suprimir o abismo
entre alta cultura e vida, entre intelectual e povo para realizar aquele nexo entre
Renascimento e Reforma, expresso na idéia de que a formação de uma elite e a
educação das grandes massas populares constituem a mesma atividade.
IV. Considerações
finais
O nexo estabelecido por Gramsci entre a organização da
escola unitária e o trabalho editorial das revistas se relaciona tanto à
experiência que adquiriu em sua intensa atividade jornalística, desde a
juventude, quanto à centralidade que tem a cultura no processo de emancipação
humana por ele concebido.
Já no seu artigo "Socialismo e cultura" (Il grido
del popolo, de 29 de janeiro de 1916), ele retoma a interpretação política dada
por Giambatista Vico ao princípio filosófico grego do "conhece-te a ti
mesmo". Diz que isso "significa ser em si mesmo, significa ser patrão
de si mesmo, distinguir-se, sair do caos, ser um elemento de ordem, mas da
própria ordem e da própria disciplina em direção a um ideal" (GRAMSCI,
1973, p. 70). Era uma resposta à polêmica com Amadeo Bordiga, para quem a
instrução não era necessária para se tornar socialista27.Gramsci,
ao contrário, entendia que a cultura é o meio pelo qual se torna possível
"compreender o próprio valor histórico, a própria função na vida, os
próprios direitos e os próprios deveres" (idem, p. 68). Essa compreensão,
contudo, "não pode acontecer por evolução espontânea, por ações e reações
independentes da própria vontade [...] pela lei determinante das coisas"
(ibidem). Mais tarde, no cárcere, ele volta ao problema. Critica o erro
"iluminista" de pensar que as mudanças nos modos de pensar, nas
crenças populares, nas opiniões, realizam-se por meio de "explosões"
rápidas e generalizadas (GRAMSCI, 1977, p. 34, 2268). Afirma que a ruptura com
o senso comum, a elaboração de uma consciência crítica e coerente tem início no
"conhece-te a ti mesmo", "como produto do processo histórico até
agora desenvolvido e que deixou em ti mesmo uma infinidade de traços que foram
acolhidos sem o benefício do inventário. É necessário, inicialmente, fazer tal
inventário" (idem, p. 1376).
Na Itália que Gramsci conheceu, o analfabetismo das massas
populares ainda era muito grande28.
Se a legislação escolar instituíra e ampliara a obrigatoriedade escolar (Lei
Casati, 1859; Lei Coppino, 1877; Lei Orlando, 1904), isso não significava que
ela obrigasse as pessoas a aprender (GRAMSCI, 1982, p. 17). E a propaganda
socialista, na opinião que Gramsci formula em 1917, havia feito muito mais pela
alfabetização do que todas as leis sobre o ensino obrigatório. Ainda que em
seus escritos mais maduros do cárcere Gramsci enfatize a democratização da escola
como um aspecto positivo para a organização cultural dos trabalhadores, e
também necessário, ele continuará sustentando a idéia de que a atividade de
difusão do socialismo é, ao mesmo tempo, uma atividade de elevação cultural das
massas populares. Sua atuação como jornalista estava em sintonia com esse
princípio.
De 1915 até sua prisão, Gramsci tem uma intensa atividade
jornalística. No âmbito do movimento socialista de Turim, a sua experiência se
desenvolve com a participação no Il grido del popolo, semanário da
Federação Socialista, de agosto de 1917 a setembro de 1918. É também em 1915
que ele começará sua colaboração com oAvanti!, órgão oficial do Partido
Socialista Italiano, publicado como diário desde 1896. Em 1917, ele se torna
secretário da seção executiva do ramo piemontês do Partido Socialista e começa
a dirigir Il grido del popolo. Além disso, encarrega-se da redação
da La città futura, uma revista concebida para educar os jovens
socialistas. Essa situação continua até 1918, quando cessa a publicação dessa
revista e surge a redação piemontesa do Avanti!, da qual Gramsci
participa. Em 1919, ele se encontra entre os fundadores do Ordine Nuovo,
resenha semanal de cultura socialista, junto a Palmiro Togliatti, Ângelo Tasca
e Umberto Terracini. Depois da cisão do Partido Socialista Italiano (PSI) e a
constituição do Partido Comunista Italiano (PCI), em 1921, a revista é
transformada em cotidiano dos comunistas de Turim e Gramsci assume a sua
direção.
A revista Ordine Nuovo pretendia ser tanto um
órgão de luta política quanto instrumento de pesquisa cultural. No campo
cultural, Gramsci afirma que a revista se empenhou em formar um novo tipo de
intelectual, surgido no mundo moderno, cuja base é a educação técnica,
"estreitamente ligada ao trabalho industrial mesmo aquele mais primitivo e
desqualificado" (GRAMSCI, 1977, p. 1551). O seu objetivo era o de
"desenvolver certas formas de novo intelectualismo e [...] identificar
seus novos conceitos, e essa não foi uma das razões menores do seu sucesso,
porque uma organização como essa correspondia a aspirações latentes e estava em
consonância com o desenvolvimento das formas reais de vida" (ibidem).
A revista Ordine Nuovo havia organizado a
"Escola de cultura e propaganda socialista", em novembro de 1919, o
"Grupo de educação comunista", em agosto de 1920, e o "Instituto
de cultura proletária", em janeiro de 1921. Este último foi concebido como
uma seção italiana do Proletkult, organização cultural e educativa dos
proletários, independente do partido e do sindicato, fundada na Rússia em 1917
e dirigida por Bogdanov29e
Lunacharsky30.
Gramsci comparava o Proletkult ao grupo Clarté, uma organização internacional
de intelectuais por um mundo mais justo e sem guerras, com o qual o Ordine
Nuovo estabelecera contatos. O Clarté foi formado em 1919, sob a liderança
de Romain Rolland (1868-1944) e Henri Barbusse (1873-1935), propondo uma nova
relação entre cultura e política. Gramsci afirmava que ambos os grupos
pretendiam instaurar uma nova forma de civilização ao favorecer entre os trabalhadores,
sejam eles manuais ou intelectuais, "o espírito de pesquisa no plano
filosófico ou artístico, no plano da investigação histórica e no plano da
criação de novas obras de beleza e de verdade" (BUCI-GLUCKSMANN, 1980, p.
115).
O fascínio que esses movimentos culturais exerciam sobre
Gramsci estava relacionado ao seu desejo de criar condições para organizar a
cultura no campo socialista, de modo que os trabalhadores pudessem compreender
os conflitos sociais e assumir a direção política da sua própria história. O
"jornalismo integral" é, portanto, um programa de educação política
progressiva para transformar o "simples senso comum" das grandes
massas em conteúdos políticos concretos.
O centro das preocupações de Gramsci era a formação de uma
"consciência unitária do proletariado". E a influência neo-idealista
do contexto cultural em que ele viveu o tornou profundamente refratário a
qualquer proposta de transformação social baseada no espontaneísmo e no
evolucionismo mecânico. Por isso, ele não esperava que o desenvolvimento
cultural das massas e a formação de uma "consciência unitária" se
realizassem espontaneamente, seguindo o curso da evolução natural. Considerando
que a fundação de um novo Estado dependia de um processo muito mais amplo de
criação de uma nova civilização, para o qual a cultura tinha um papel
fundamental, ele insistia sobre a necessidade de "organizar a
cultura". Isso significava ampliar os meios para difundir novas concepções
do mundo que permitissem aos trabalhadores tomar "consciência de si",
dos seus próprios fins, e fazer sua história. Significava criar as condições
imprescindíveis à conquista de uma "consciência superior". É nessa
perspectiva que podemos ler a sua vasta experiência jornalística.
Quando, no cárcere, Gramsci reflete sobre a influência do
pensamento croceano na sua mocidade, ele revela ter proposto que a filosofia de
Croce fosse uma premissa da retomada do marxismo contemporâneo, assim como o
hegelianismo fora a premissa do marxismo no século XIX. Naquela época, porém,
afirma Gramsci, "o conceito de unidade entre teoria e prática, entre
filosofia e política não era claro para mim e eu era tendencialmente mais
croceano" (GRAMSCI, 1977, p. 1233). Em seguida, a possibilidade de fazer
do pensamento de Croce uma premissa para retomar o marxismo é sublinhada como
estratégia para elevar o marxismo a um nível superior, tornando-o uma filosofia
capaz de afrontar os problemas mais complexos da luta ideológica, da luta
revolucionária. Trata-se, em outros termos, de criar uma cultura capaz de
unificar Renascimento e Reforma Protestante, "uma nova cultura integral,
que tivesse as características de massa da Reforma protestante e do Iluminismo
francês e as características de classicidade da cultura grega e do Renascimento
italiano, uma cultura que [...] sintetize Maximilien Robespierre e Immanuel
Kant, a política e a filosofia, em uma unidade dialética intrínseca a um grupo
social, não só francês ou alemão, mas europeu e mundial" (idem, p. 1238).
Essa é a perspectiva que aproxima intelectuais e massas
populares, teoria e prática, filosofia e história, enfim, a unidade entre
pensamento e ser no movimento dialético da história. Gramsci está convencido de
que as "concepções de mundo" se convertem em história quando são abraçadas
e postas em prática pelas massas populares. E, por isso, toma os modelos
culturais da Reforma e do Renascimento como referências críticas e como valor
pedagógico. Para ele, é "evidente que não se entende o processo molecular
de afirmação de uma nova civilização que se desenvolve no mundo contemporâneo
sem ter compreendido o nexo histórico Reforma-Renascimento" (idem, p.
891). É uma abordagem que procura romper com o dualismo entre teoria e prática,
filosofia e história, ressaltando a unidade da filosofia e da política no ato
histórico. A unidade dialética entre o objetivo e o subjetivo, o material e o
espiritual, é o fundamento teórico da análise de Gramsci sobre a
"organização da cultura" na luta revolucionária. A atividade
editorial constitui um dos elementos dessa organização e se vincula à
perspectiva da escola unitária.
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Notas
Rosemary Dore (rrosedore@yahoo.it)
é Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG).
1 A questão da escola aparece no ponto 1 (A escola e a educação nacional) e no 18 (A escola única e o que ela significa para toda a organização da cultura nacional) (GRAMSCI, 1977, p. 935).
2 A partir de 24 de dezembro de 1920, L'Ordine Nuovo deixa de ser publicada como revista e, no ano seguinte, passa a ser editada como cotidiano do Partido Comunista Italiano, fundado em janeiro de 1921.
3 A noção de "aparelho privado de hegemonia" é mencionada por Gramsci no seu debate com Daniele Halévy sobre as concepções do Estado (cf. GRAMSCI, 1977, p. 801).
4 Em sua reflexão mais madura sobre o Estado e a sociedade civil, Gramsci identifica a importância da escola e diz: "A atividade escolar, em todos os seus graus, tem uma importância enorme, também econômica, para os intelectuais de todos os graus: tinha antes uma importância ainda maior do que hoje, dado o estreitamento dos quadros sociais e as escassas alternativas abertas aos pequenos burgueses (hoje): jornalismo, movimento dos partidos, indústria, aparato estatal muito ampliado etc. alargaram de modo sem precedentes as possibilidades de emprego" (GRAMSCI, 1977, p. 2047; sem grifos no original).
5 O termo "civilização" é a tradução para o português do termo civiltà, largamente adotado por Gramsci nos Quaderni. Civiltà deriva do latim civilitas, que por sua vez vem do adjetivo civilis, de civis, ou seja, cidadão. Nesse sentido, significa o conjunto das qualidades e características da vida dos membros de uma comunidade, como cidadãos. Gramsci adota a expressão gciviltàh num sentido amplo, para referir-se à organização econômica, social e política de uma comunidade, ao conjunto dos seus valores estéticos e morais. Mas também se refere ao processo de melhoria das condições de vida dos indivíduos e da coletividade, à conquista de valores artísticos e literários mais elevados, ao desenvolvimento do saber científico, à maior complexidade da divisão do trabalho e da diversidade de funções e especializações na sociedade e, enfim, à conquista de uma consciência mais aprofundada do próprio modo de ser e de agir na vida. Há uma estreita relação entre as noções de civiltà e cultura. Quando aborda o problema da escola, por exemplo, Gramsci diz que "quanto mais ampla é a 'área' escolar e quanto mais numerosos são os 'graus' 'verticais' da escola, tanto mais complexo é o mundo cultural, a civilização [civiltà], de um determinado Estado" (GRAMSCI, 1977, p. 1517). Ao referir-se ao Estado educador, Gramsci diz que "o Estado deve ser concebido como 'educador' na medida em que tende justamente a criar um novo tipo ou nível de civilização [civiltà]" (GRAMSCI, 1977, p. 1570). E o termo civiltà não exclui a dimensão econômica. É o que fica claro quando Gramsci focaliza o americanismo e afirma que suas ações se dão por meio da coerção brutal de um grupo social sobre todas as forças produtivas da sociedade: "a seleção ou 'educação' do homem adaptado aos novos tipos de civilização [civiltà], isto é, às novas formas de produção e de trabalho [...]", em cujo processo de advento (de uma nova civiltà) ocorrem crises (GRAMSCI, 1977, p. 2161).
6 A idéia do nexo necessário e vital entre estrutura e superestrutura é retomada por Gramsci no Caderno 10, na filosofia de Benedetto Croce (GRAMSCI, 1977, p. 1318). Aí, ele reafirma que os homens tomam consciência da sua posição social e, assim, dos seus deveres, no terreno das ideologias e acrescenta que é correta a proposição de Croce segundo a qual a "filosofia da práxis é 'história feita ou história in fieri'" (GRAMSCI, 1977, p. 1318). Com referência à educação, sustenta que a filosofia da práxis é a própria teoria das contradições; é expressão das classes subalternas que querem educar a si mesmas na arte do governo e que têm interesse em conhecer todas as verdades.
7 Gramsci chama de "fórmula de 1848" o conceito de uma revolução violenta contra o Estado capitalista, concebido como "comitê" da burguesia – cf. o conceito de Marx e Engels sobre o Estado no Manifesto do Partido Comunista (1848): "O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa" (MARX & ENGELS, 197-, p. 23). Cf. também o conceito de revolução como um confronto direto contra o Estado: "Esboçando em linhas gerais as fases do desenvolvimento proletário, descrevemos a história da guerra civil mais ou menos oculta, que lavra na sociedade atual, até a hora em que essa guerra explode numa revolução aberta e o proletariado estabelece sua dominação pela derrubada violenta da burguesia" (idem, p. 30).
8 No Caderno 3 (texto A), Gramsci assinala que, ao contrário da posição de Antonio Labriola (1843-1904), as tendências dominantes recaíam seja no materialismo vulgar, como aquela representada por Plekanov, seja no seu oposto, ligando o marxismo ao kantismo, expressa por Otto Bauer. Por isso, ele propõe que Labriola seja "recolocado em circulação e a sua formulação do problema filosófico deve vir a predominar" (GRAMSCI, 1977, p. 309). O trabalho de difusão de Labriola tinha em conta que, com a existência de "um novo tipo de Estado, nasce [concretamente] o problema de uma nova civilização e daí a necessidade de elaborar as concepções mais gerais, as amas mais refinadas e decisivas" (ibidem).
9 De acordo com Luperini, as jovens revistas dos primeiros anos do século passado nasceram "da consciência de que os intelectuais podem, como tais, ter ainda uma função" (LUPERINI, 1978, p. 10). E isso explicaria o sucesso de revistas editadas no campo da política e da cultura.
10 La Critica, uma revista de história e filosofia, foi concebida como um instrumento de hegemonia cultural, sendo a porta-voz de um novo idealismo historicista, o "idealismo crítico" de Croce. A sua publicação tinha o propósito de "sustentar uma determinada ordem de idéias" e se propunha a "discutir livros, italianos e estrangeiros, de filosofia, história, literatura, sem a pretensão de colocar o leitor em contato com todas as publicações sobre argumentos vários, mas selecionando algumas publicações que tivessem, por seu argumento ou por seu mérito, maior interesse, ou melhor, se prestassem a discussões fecundas". E a revista não pretendia apenas fazer resenhas de novos livros, mas também apresentar "artigos, notas, contribuições, documentos, organizados e direcionados a um único objetivo": aquele de "preparar o material e tentar um primeiro esquema da história da produção literária e científica italiana do último meio século" (La Critica apud DONATI, 2006). Nos primeiros anos da revista, embora a parte concernente à vida intelectual ficasse sob os cuidados de Croce, a parte sobre a filosofia era de competência de Giovanni Gentile, que permaneceu por 20 anos como o seu principal colaborador. Com o advento do fascismo, a amizade entre os dois se rompeu e a revista La Critica, agindo nos limites impostos pela situação política, continuaria a ser publicada até o fim de 1944. De acordo com Badaloni e Muscetta, o mais surpreendente na revista foi a "capacidade de Croce de intervir sobre qualquer questão depois de haver reformulado os problemas nos termos da sua filosofia" (BADALONI & MUSCETTA, 1977, p. 53). Mas a questão teórica de fundo da revista, acrescentam os autores, era a relação de hegemonia sobre o marxismo (idem, p. 58).
11 Conhecido como uma das figuras mais representativas do nacionalismo italiano, o napolitano Francesco Coppola (1878-1957) foi um jornalista polêmico e agressivo, desde quando trabalhava nos periódicos Giornale d'Italia e Tribuna. Depois da eleição para o Parlamento (março de 1909), assumiu sistematicamente uma posição contra o Partido Socialista e os sindicatos. Líder da Associação Nacionalista Italiana (ANI), defendeu uma bandeira antidemocrática e anti-reformista, tendo colaborado com o periódico L'Idea Nazionale. Nos anos 1920, Coppola tornou-se um grande difusor da propaganda fascista (cf. D'ALFONSO, 2000).
12 Alfredo Rocco (1875-1935) é considerado um dos principais "arquitetos" do regime fascista. São poucos os intelectuais que, como ele, conseguiram descrever a crise do Estado liberal que caracterizou os 20 anos que precederam o advento do fascismo. Rocco se inscreveu na Associação Nacionalista Italiana (ANI) em 1913 e começou a publicar suas idéias sobre diversos temas políticos, assumindo uma posição claramente autoritária e apresentando propostas que depois seriam utilizadas pelo fascismo, quando ele passaria a responder pelo Ministério da Justiça do governo de Mussolini, no período 1925-1932 (cf. D'ALFONSO, 2002).
13 Corrado Barbagallo (1877-1952) foi um historiador que se ocupou de problemas da História, em geral, e da metodologia historiográfica, em particular, tendo se especializado em História Antiga. Quando jovem, aproximou-se do socialismo e tentou fazer uma reforma historiográfica do materialismo histórico. Criticou a posição política de Croce na época da Primeira Guerra Mundial, mas apreciou sua obra Teoria e storia della storiografia (1916). ANuova Rivista Storica, que fundou em 1917, tinha um programa renovador na historiografia político-social lato sensu. A atividade da revista era de polêmica e Barbagallo criticava tanto o idealismo quanto o filologismo, avizinhando-se do positivismo e do evolucionismo (cf. Dizionario biografico degli italiani, 1960).
14 Gramsci descreve as características do Anuário no Caderno 3, p. 308. Trata-se de um texto de tipo A que, consoante a classificação de Gerratana, organizador da edição crítica dos Cadernos, seria reescrito num texto de tipo C, já que os textos de Gramsci que não ganharam uma segunda redação são classificados como B. Mas em novas notas do Caderno 4, p. 484, também texto A, Gramsci diz que o Anuário deveria conter os trabalhos produzidos colegiadamente na atividade de tipo editorial, depois de serem apreciados. Trata-se do Anuário ao qual ele já havia se referido precedentemente, isto é, nas notas do Caderno 3. O correspondente texto C dessa discussão está no Caderno 12, p. 1533, no qual Gramsci discute o problema da atividade colegiada, no âmbito de sua análise sobre escola, mas não se refere ao Anuário. No Caderno 24, no qual Gramsci aborda novamente o Anuário, ele já não explicita mais as suas características (apresentadas no Caderno 3), embora essa ausência não pareça significar que ele as teria suprimido da confecção de um Anuário.
15 La Voce foi fundada em Florença, em 20 de dezembro de 1908, por Giuseppe Prezzolini (1882-1982), escritor e jornalista. Inicialmente seguidor da filosofia de Bergson, depois ele se aproxima do pensamento de Croce. La Voceteve como propósito renovar a cultura italiana e realizar uma reeducação moral, política e artística, atraindo a atenção para a nova modernidade. Prezzolini solicitou para a revista a colaboração de numerosas personalidades pertencentes ao mundo liberal, tais como Giovanni Papini (1881-1956), Benedetto Croce, Giovanni Amendola, Emilio Cecchi, Romolo Murri, Luigi Einaudi e Gaetano Salvemini. La Voce, segundo Luperini, não se identificou com um programa preciso ou mesmo com um grupo de orientação política definida, mas teve a colaboração de intelectuais originários de diversos grupos sociais e políticos e das forças politicamente organizadas do país cujo ideal comum que partilhavam era o desejo de "intervir sobre a realidade como intelectuais, como portadores de valores intelectuais" (LUPERINI, 1978, p. 18). Para o autor, uma personalidade que influenciou politicamente La Voce e o seu diretor, Prezzolini, foi Salvemini. Este levou a revista a tomar posição sobre o sufrágio universal e sobre o problema meridional, dentre outros assuntos. Contudo, ele não consegue fazer de La Voce uma revista prevalentemente política como gostaria. Por isso, a abandona. Depois que Salvemini deixa La Voce, em fins de 1911, a revista assume um caráter mais literário e artístico. No início de 1914, a revista passa por uma transformação e Prezzolini será o responsável por uma nova orientação: a "revista do idealismo militante" (LUPERINI, 1978, p. 27). A partir do final de 1914, a revista passa à direção de Giuseppe De Robertis, quando se rompe o elo entre política e cultura.
16 O L'Unità, semanário de cultura e política, foi criado em Florença, em 16 de dezembro de 1911, por Gaetano Salvemini (1873-1957), quando este rompeu sua colaboração com La Voce e saiu do Partido Socialista Italiano. A revista, que deixa de ser publicada em 30 de dezembro de 1920, teve a colaboração de personalidades meridionais, como Giustino Fortunato, Antonio De Viti De Marco (líder do movimento liberal) e Benedetto Croce. Em sua existência, L'Unità procurou afrontar diversos problemas na Itália, como a questão meridional, a corrupção política e eleitoral, a reforma tributária, escolar e administrativa. No que diz respeito à crítica dirigida à administração central, Cassese observa que ela não constituiu uma "autêntica contestação do poder administrativo, porque permanecia superficial, satisfazendo-se em afirmar que a burocracia equivalia, de todo modo, ao conservadorismo" (CASSESE, 1981, p. 519).
17 Aqui, Gramsci alude à revista Leonardo de Luigi Russo. Houve uma revista também chamada Leonardo fundada por Prezzolini e Papini, em 1903, cujo último número saiu em 1907, sob a direção de Prezzolini. A revista tinha influência do pensamento de R. Steiner e F. Nietzsche e tencionava realizar uma regeneração antiacadêmica da cultura italiana. Já a outra revista Leonardo, referida por Gramsci, foi fundada em 1925 e era publicada pela Sociedade Leonardo, com a finalidade de difundir a cultura italiana no exterior. Até o final de 1925, a revista foi dirigida por Prezzolini, mas, então, Giovanni Gentile convida Luigi Russo para assumir a direção de Leonardo. Mais do que um simples boletim bibliográfico ou de coletânea de resenhas, Russo reorganizou as seções da revista, conseguiu a colaboração de muitos jovens articulistas e soube dar à revista um tom crítico e combativo, distanciando-se do mero caráter informativo que estava em seu programa de fundação. Uma das preocupações de Russo é a de manter a unidade da cultura idealista, que estava dividida com os contrastes políticos entre Gentile e Croce. Gentile procura intervir para manter a revista como coletânea de resenhas bibliográficas, principalmente a partir de 1927, quando a Leonardo conquista um caráter mais oficial e é publicada sob os auspícios do Instituto Nacional Fascista de Cultura. Mas a tentativa de Russo de garantir a unidade da frente de cultura idealista entra em crise em 1928, quando Croce publica Storia d'Italia (1930-1943), aguçando as diferenças entre ele e Gentile. Em fins de 1929, a revista Leonardo se funde com I libri del giorno, da editora Treves, uma revista bibliográfica, fundada em 1918 e que, a partir de janeiro de 1930, tem como diretor Federico Gentile, filho de Giovanni Gentile. As tensões entre Russo e Gentile aumentam e, em 18 de dezembro de 1930, Russo anuncia a criação da revista mensal La nuova Italia, publicada por editora homônima. Croce teve um papel decisivo para o nascimento do novo periódico, junto a amigos como Luigi Albertini, Alessandro Casati e Giustino Fortunato. Nas páginas da Nuova Italia, Russo e Adolfo Omodeo iniciam uma polêmica com Gioacchino Volpe, que provoca a reação de Gentile contra os dois antigos discípulos, seja em cartas ou discursos. O agravamento das divergências entre Russo e Gentile culmina em uma crise que leva Russo a perder a direção da revista Leonardoem 1931 (PERTICI & RESTA, 1997, p. 5-13).
18 Gramsci justifica a autobiografia dizendo o seguinte: "Uma das justificativas pode ser esta: ajudar outros a desenvolver-se de acordo com certas perspectivas e em direção a certas finalidades. Frequentemente, as autobiografias são um ato de orgulho: se crê que a própria vida seja digna de ser narrada porque 'original', diferente de outras, porque a própria personalidade é original, diferente de outras, etc. A autobiografia pode ser concebida 'politicamente'. Sabe-se que a própria vida é semelhante àquela de mil outras vidas, mas que por 'acaso' ela teve um resultado que as outras muitas não puderam ter e não tiveram de fato. Fazendo-se a narrativa, cria-se essa possibilidade, sugere-se o processo, indica-se a finalidade. A autobiografia substitui, portanto, o 'ensaio político' 'filosófico': se descreve em ato aquilo que, de outra maneira, se deduz logicamente. É certo que a autobiografia tem um grande valor histórico, na medida em que mostra a vida em ato e não apenas como deveria ser segundo as leis escritas ou princípios morais dominantes" (GRAMSCI, 1977, p. 1718).
19 Gramsci se refere inicialmente aos dois tipos de resenha, o sintético e o crítico, no Caderno 1 (cf. GRAMSCI, 1977, p. 33).
20 No Caderno 1, Gramsci (1977, p. 26) tinha se referido à revista L'Italia che scrive como um exemplo do terceiro tipo de revista. Já em 1919, tinha escrito um artigo, no Grido del Popolo, saudando a iniciativa de Angelo Fortunato Formiggini (1878-1938) de publicar aquela revista, que prometia se "tornar um ótimo e utilíssimo instrumento de cultura" (GRAMSCI, 1982, p. 805). Trata-se de um periódico de informação bibliográfica, dirigido por Formiggini de 1918 a 1938. A revista, que se propunha a difundir resenhas da produção literária italiana contemporânea, se insere no âmbito de outras iniciativas culturais de Formiggini, como o Instituto para a Propaganda da Cultura Italiana (IPCI), fundado em 14 de março de 1921, que em seguida mudaria o seu nome para Fundação Leonardo para a Cultura Italiana, por proposta de Giovanni Gentile. Em 1923, Formiggini seria excluído da Fundação, que em 1925 seria absorvida pelo Instituto Nacional Fascista de Cultura. Um outro projeto de Formiggini foi a criação da Biblioteca Circulante da revista L'Italia che scrive (ICS), com o objetivo de colocar à disposição do público os livros que a revista recebia para realizar as resenhas. Sendo hebreu, foi obrigado a abandonar a sua atividade de editor depois da sanção das leis raciais, em 1938 e, diante disso, decide suicidar-se (cf. BONAZZI, s/d; BALSAMO & CREMANTE, 1981; ANDERLINI, 1999; MANICARDI, 2001).
21 Segundo Gerratana, Gramsci tinha "seguido no cárcere, por algum tempo, o suplemento do semanário 'Times'('Times Weekly'), mas depois o substituíra pelo suplemento do 'Manchester Guardian' ('Manchester Guardian Weekly')" (nota de Gerratana apud GRAMSCI, 1977, p. 3021).
22 Na revista Osservatore, Gasparo Gozzi (1713-1786) escreve polemicamente contra as modas e as manias do seu tempo, concentrando-se na análise e na crítica dos costumes. Ao lado das notícias sobre coisas para vender, comprar, alugar, achados e perdidos, o preço das mercadorias etc., encontrava-se a crônica direta, irônica, indiscreta e aparentemente inocente do jornalista sobre as cenas da vida cotidiana (cf. <http://www1.provincia.venezia.it/smac/ice96/giorna.html, <http://www.provincia.venezia.it/mfosc/ studenti/gozzi/gozzi.html> Acesso em: 19 abr. 2006).
23 O jornal inglês Spectator foi um modelo de prosa e de estilo para os periódicos italianos, especialmente em Veneza, por ter concebido o ensaio literário como artigo jornalístico, acessível a um grande público, instituindo uma ligação entre periódico e literatura. O periódico fazia a crítica dos costumes ao estabelecer uma estreita relação com a vida do seu tempo, da qual extraía a matéria de discussão. Assim, a intenção moralista encontrava a sua realização concreta na observação e na análise de uma sociedade exclusivamente inglesa, que era então amplamente descrita (cf. <http://www.provincia.venezia.it/mfosc/studenti/gozzi/gv.html> Acesso em: 19 abr. 2006). Sobre a revista Lacerba (1913-1915), Luperini afirma que ela resultou de uma ruptura consciente de Papini e Soffici com Prezzolini, pois eles tinham amadurecido uma concepção diferente da relação entre arte, cultura e política, atribuindo à literatura e à arte uma função de totalidade (LUPERINI, 1978, p. 28). Para o autor, Lacerbateve um "papel literário preciso ao difundir o futurismo italiano e ao afrontar algumas questões próprias de cada moderna vanguarda artística e por isso ainda hoje atuais" (LUPERINI, 1978, p. 28). No entanto, quando se desenha a situação de guerra, a revista assume um papel preponderante em seu favor, de cunho nacionalista, abandonando o interesse exclusivo pela arte.
24 A Frusta Letteraria, fundada por Giuseppe Baretti (1719-1789), foi publicada quinzenalmente em Veneza, de 1º de outubro de 1763 a 15 de janeiro de 1765, ano em que foi proibida pelo governo da cidade, devido aos seus ataques ao padre Appiano Buonafede. Como a revista de Gozzi, de quem Baretti é contemporâneo, a Frusta Letteraria também se insere na tipologia do Spectator. Baretti escreve para a revista assumindo-se como Aristarco Scannabue, pretendendo ser um velho soldado aposentado, que polemizava contra a poesia bucólica, a erudição acadêmica, o puritanismo religioso. Usando a arma da comédia e da ironia, atacou decididamente as academias e defendeu o estilo direto, a espontaneidade da forma, a predominância do conteúdo, a expressão sincera do crítico e a escolha de um vocabulário vigoroso. Para Bini (2003), a Frusta Letteraria "transfere para o âmbito literário exigências próprias da civilização iluminista, conferindo-lhe uma profunda ressonância espiritual". Ainda segundo o autor, a revista não tinha como maior preocupação estabelecer uma polêmica formalista e acadêmica, mas se atinha a uma reivindicação de conteúdos morais, o que caracterizaria Baretti como uma figura expressiva da nova atmosfera pré-romântica. O modelo para a crítica literária e moral da Frusta Letteraria, segundo Samaritani (2001), teria sua referência nos jornais ingleses de Samuel Johnson, de quem Baretti tornou-se amigo quando de seu exílio voluntário em Londres, em 1751. Baretti condenou como plebéias as comédias de Carlo Goldoni. O amigo de Gramsci, Piero Gobetti (1901-1926), liberal e antifascista, chamará a sua revista de crítica literária, fundada em 1924, Il Baretti.
25 A revista Lacerba (1913-1915) tem em conta o movimento futurista milanês, já ativo desde 1909. Ardengo Soffici (1879-1964), pintor e escritor italiano do "primo Novecento", fundou a revista junto a Giovanni Papini. Em seguida, colaborou com a Leonardo de Papini, com a Riviera Ligure dos Fratelli Novaro e com a La Voce de Prezzolini, na qual publicava crítica de arte, favorecendo a difusão na Itália do impressionismo e do pós-impressionismo francês. Nos anos 1920, tornou-se um defensor do fascismo em ascensão e foi um dos primeiros colaboradores do Popolo d'Italia, revista fundada por Benito Mussolini, em novembro de 1914 (cf. CIRCE, 2006). Sobre a revista Lacerba (1913-1915), Luperini afirma que ela resultou de uma ruptura consciente de Papini e Soffici com Prezzolini, pois eles tinham amadurecido uma concepção diferente da relação entre arte, cultura e política, atribuindo à literatura e à arte uma função de totalidade (LUPERINI, 1978, p. 28). Para o autor, Lacerbateve um "papel literário preciso ao difundir o futurismo italiano e ao afrontar algumas questões próprias de cada moderna vanguarda artística e por isso ainda hoje atuais" (LUPERINI, 1978, p. 28). No entanto, quando se desenha a situação de guerra, a revista assume um papel preponderante em seu favor, de cunho nacionalista, abandonando o interesse exclusivo pela arte.
26 Cf. Gramsci (1977, p. 975-976), Caderno 8, no qual o tema é abordado sob a rubrica "Revistas tipo".
27 Entre 20 e 23 de setembro de 1912, ocorreu em Bolonha o Congresso de jovens socialistas sobre o tema "a educação e a cultura da juventude". Na ocasião, Amadeo Bordiga sustentou que não se deveria supervalorizar os estudos, afirmando, dentre outras coisas, que "Não nos tornamos socialistas com a instrução, mas pelas necessidades reais da classe a que pertencemos". Ângelo Tasca criticou essa posição, sustentando a exigência de uma renovação intelectual do socialismo italiano. E Bordiga chamou Tasca e os seus defensores de "culturalistas" (cf. GRAMSCI, 1973, p. 67, nota 1).
28 O analfabetismo na Itália estava em cerca de 80% em 1861; 62% em 1881; 38% em 1911 e 21% em 1931. Contudo, em 1922, ainda era superior a 49% na região meridional (cf. CIPOLLA, 1971).
29 O verdadeiro nome de Bogdanov era Alexandr Alexandrovich Malinovski (1873-1928).
30 Anatoliy Vasilievich Lunacharsky (1875-1933) participou da publicação do jornal bolchevique Zovaya Zhizn(Vida Nova), com Maxim Gorky, em 1908; do grande jornal pacifista editado em Paris, Nashe Slovo (Nosso Mundo), com Julius Martov e Leon Trotsky, em agosto 1914, e colaborou com a redação do jornal Vpered (Avanti), em 1915, apoiando a cultura proletária. Depois da Revolução de Outubro, Lunacharsky foi eleito Primeiro Comissário do Povo para a Educação do Governo Soviético.
1 A questão da escola aparece no ponto 1 (A escola e a educação nacional) e no 18 (A escola única e o que ela significa para toda a organização da cultura nacional) (GRAMSCI, 1977, p. 935).
2 A partir de 24 de dezembro de 1920, L'Ordine Nuovo deixa de ser publicada como revista e, no ano seguinte, passa a ser editada como cotidiano do Partido Comunista Italiano, fundado em janeiro de 1921.
3 A noção de "aparelho privado de hegemonia" é mencionada por Gramsci no seu debate com Daniele Halévy sobre as concepções do Estado (cf. GRAMSCI, 1977, p. 801).
4 Em sua reflexão mais madura sobre o Estado e a sociedade civil, Gramsci identifica a importância da escola e diz: "A atividade escolar, em todos os seus graus, tem uma importância enorme, também econômica, para os intelectuais de todos os graus: tinha antes uma importância ainda maior do que hoje, dado o estreitamento dos quadros sociais e as escassas alternativas abertas aos pequenos burgueses (hoje): jornalismo, movimento dos partidos, indústria, aparato estatal muito ampliado etc. alargaram de modo sem precedentes as possibilidades de emprego" (GRAMSCI, 1977, p. 2047; sem grifos no original).
5 O termo "civilização" é a tradução para o português do termo civiltà, largamente adotado por Gramsci nos Quaderni. Civiltà deriva do latim civilitas, que por sua vez vem do adjetivo civilis, de civis, ou seja, cidadão. Nesse sentido, significa o conjunto das qualidades e características da vida dos membros de uma comunidade, como cidadãos. Gramsci adota a expressão gciviltàh num sentido amplo, para referir-se à organização econômica, social e política de uma comunidade, ao conjunto dos seus valores estéticos e morais. Mas também se refere ao processo de melhoria das condições de vida dos indivíduos e da coletividade, à conquista de valores artísticos e literários mais elevados, ao desenvolvimento do saber científico, à maior complexidade da divisão do trabalho e da diversidade de funções e especializações na sociedade e, enfim, à conquista de uma consciência mais aprofundada do próprio modo de ser e de agir na vida. Há uma estreita relação entre as noções de civiltà e cultura. Quando aborda o problema da escola, por exemplo, Gramsci diz que "quanto mais ampla é a 'área' escolar e quanto mais numerosos são os 'graus' 'verticais' da escola, tanto mais complexo é o mundo cultural, a civilização [civiltà], de um determinado Estado" (GRAMSCI, 1977, p. 1517). Ao referir-se ao Estado educador, Gramsci diz que "o Estado deve ser concebido como 'educador' na medida em que tende justamente a criar um novo tipo ou nível de civilização [civiltà]" (GRAMSCI, 1977, p. 1570). E o termo civiltà não exclui a dimensão econômica. É o que fica claro quando Gramsci focaliza o americanismo e afirma que suas ações se dão por meio da coerção brutal de um grupo social sobre todas as forças produtivas da sociedade: "a seleção ou 'educação' do homem adaptado aos novos tipos de civilização [civiltà], isto é, às novas formas de produção e de trabalho [...]", em cujo processo de advento (de uma nova civiltà) ocorrem crises (GRAMSCI, 1977, p. 2161).
6 A idéia do nexo necessário e vital entre estrutura e superestrutura é retomada por Gramsci no Caderno 10, na filosofia de Benedetto Croce (GRAMSCI, 1977, p. 1318). Aí, ele reafirma que os homens tomam consciência da sua posição social e, assim, dos seus deveres, no terreno das ideologias e acrescenta que é correta a proposição de Croce segundo a qual a "filosofia da práxis é 'história feita ou história in fieri'" (GRAMSCI, 1977, p. 1318). Com referência à educação, sustenta que a filosofia da práxis é a própria teoria das contradições; é expressão das classes subalternas que querem educar a si mesmas na arte do governo e que têm interesse em conhecer todas as verdades.
7 Gramsci chama de "fórmula de 1848" o conceito de uma revolução violenta contra o Estado capitalista, concebido como "comitê" da burguesia – cf. o conceito de Marx e Engels sobre o Estado no Manifesto do Partido Comunista (1848): "O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa" (MARX & ENGELS, 197-, p. 23). Cf. também o conceito de revolução como um confronto direto contra o Estado: "Esboçando em linhas gerais as fases do desenvolvimento proletário, descrevemos a história da guerra civil mais ou menos oculta, que lavra na sociedade atual, até a hora em que essa guerra explode numa revolução aberta e o proletariado estabelece sua dominação pela derrubada violenta da burguesia" (idem, p. 30).
8 No Caderno 3 (texto A), Gramsci assinala que, ao contrário da posição de Antonio Labriola (1843-1904), as tendências dominantes recaíam seja no materialismo vulgar, como aquela representada por Plekanov, seja no seu oposto, ligando o marxismo ao kantismo, expressa por Otto Bauer. Por isso, ele propõe que Labriola seja "recolocado em circulação e a sua formulação do problema filosófico deve vir a predominar" (GRAMSCI, 1977, p. 309). O trabalho de difusão de Labriola tinha em conta que, com a existência de "um novo tipo de Estado, nasce [concretamente] o problema de uma nova civilização e daí a necessidade de elaborar as concepções mais gerais, as amas mais refinadas e decisivas" (ibidem).
9 De acordo com Luperini, as jovens revistas dos primeiros anos do século passado nasceram "da consciência de que os intelectuais podem, como tais, ter ainda uma função" (LUPERINI, 1978, p. 10). E isso explicaria o sucesso de revistas editadas no campo da política e da cultura.
10 La Critica, uma revista de história e filosofia, foi concebida como um instrumento de hegemonia cultural, sendo a porta-voz de um novo idealismo historicista, o "idealismo crítico" de Croce. A sua publicação tinha o propósito de "sustentar uma determinada ordem de idéias" e se propunha a "discutir livros, italianos e estrangeiros, de filosofia, história, literatura, sem a pretensão de colocar o leitor em contato com todas as publicações sobre argumentos vários, mas selecionando algumas publicações que tivessem, por seu argumento ou por seu mérito, maior interesse, ou melhor, se prestassem a discussões fecundas". E a revista não pretendia apenas fazer resenhas de novos livros, mas também apresentar "artigos, notas, contribuições, documentos, organizados e direcionados a um único objetivo": aquele de "preparar o material e tentar um primeiro esquema da história da produção literária e científica italiana do último meio século" (La Critica apud DONATI, 2006). Nos primeiros anos da revista, embora a parte concernente à vida intelectual ficasse sob os cuidados de Croce, a parte sobre a filosofia era de competência de Giovanni Gentile, que permaneceu por 20 anos como o seu principal colaborador. Com o advento do fascismo, a amizade entre os dois se rompeu e a revista La Critica, agindo nos limites impostos pela situação política, continuaria a ser publicada até o fim de 1944. De acordo com Badaloni e Muscetta, o mais surpreendente na revista foi a "capacidade de Croce de intervir sobre qualquer questão depois de haver reformulado os problemas nos termos da sua filosofia" (BADALONI & MUSCETTA, 1977, p. 53). Mas a questão teórica de fundo da revista, acrescentam os autores, era a relação de hegemonia sobre o marxismo (idem, p. 58).
11 Conhecido como uma das figuras mais representativas do nacionalismo italiano, o napolitano Francesco Coppola (1878-1957) foi um jornalista polêmico e agressivo, desde quando trabalhava nos periódicos Giornale d'Italia e Tribuna. Depois da eleição para o Parlamento (março de 1909), assumiu sistematicamente uma posição contra o Partido Socialista e os sindicatos. Líder da Associação Nacionalista Italiana (ANI), defendeu uma bandeira antidemocrática e anti-reformista, tendo colaborado com o periódico L'Idea Nazionale. Nos anos 1920, Coppola tornou-se um grande difusor da propaganda fascista (cf. D'ALFONSO, 2000).
12 Alfredo Rocco (1875-1935) é considerado um dos principais "arquitetos" do regime fascista. São poucos os intelectuais que, como ele, conseguiram descrever a crise do Estado liberal que caracterizou os 20 anos que precederam o advento do fascismo. Rocco se inscreveu na Associação Nacionalista Italiana (ANI) em 1913 e começou a publicar suas idéias sobre diversos temas políticos, assumindo uma posição claramente autoritária e apresentando propostas que depois seriam utilizadas pelo fascismo, quando ele passaria a responder pelo Ministério da Justiça do governo de Mussolini, no período 1925-1932 (cf. D'ALFONSO, 2002).
13 Corrado Barbagallo (1877-1952) foi um historiador que se ocupou de problemas da História, em geral, e da metodologia historiográfica, em particular, tendo se especializado em História Antiga. Quando jovem, aproximou-se do socialismo e tentou fazer uma reforma historiográfica do materialismo histórico. Criticou a posição política de Croce na época da Primeira Guerra Mundial, mas apreciou sua obra Teoria e storia della storiografia (1916). ANuova Rivista Storica, que fundou em 1917, tinha um programa renovador na historiografia político-social lato sensu. A atividade da revista era de polêmica e Barbagallo criticava tanto o idealismo quanto o filologismo, avizinhando-se do positivismo e do evolucionismo (cf. Dizionario biografico degli italiani, 1960).
14 Gramsci descreve as características do Anuário no Caderno 3, p. 308. Trata-se de um texto de tipo A que, consoante a classificação de Gerratana, organizador da edição crítica dos Cadernos, seria reescrito num texto de tipo C, já que os textos de Gramsci que não ganharam uma segunda redação são classificados como B. Mas em novas notas do Caderno 4, p. 484, também texto A, Gramsci diz que o Anuário deveria conter os trabalhos produzidos colegiadamente na atividade de tipo editorial, depois de serem apreciados. Trata-se do Anuário ao qual ele já havia se referido precedentemente, isto é, nas notas do Caderno 3. O correspondente texto C dessa discussão está no Caderno 12, p. 1533, no qual Gramsci discute o problema da atividade colegiada, no âmbito de sua análise sobre escola, mas não se refere ao Anuário. No Caderno 24, no qual Gramsci aborda novamente o Anuário, ele já não explicita mais as suas características (apresentadas no Caderno 3), embora essa ausência não pareça significar que ele as teria suprimido da confecção de um Anuário.
15 La Voce foi fundada em Florença, em 20 de dezembro de 1908, por Giuseppe Prezzolini (1882-1982), escritor e jornalista. Inicialmente seguidor da filosofia de Bergson, depois ele se aproxima do pensamento de Croce. La Voceteve como propósito renovar a cultura italiana e realizar uma reeducação moral, política e artística, atraindo a atenção para a nova modernidade. Prezzolini solicitou para a revista a colaboração de numerosas personalidades pertencentes ao mundo liberal, tais como Giovanni Papini (1881-1956), Benedetto Croce, Giovanni Amendola, Emilio Cecchi, Romolo Murri, Luigi Einaudi e Gaetano Salvemini. La Voce, segundo Luperini, não se identificou com um programa preciso ou mesmo com um grupo de orientação política definida, mas teve a colaboração de intelectuais originários de diversos grupos sociais e políticos e das forças politicamente organizadas do país cujo ideal comum que partilhavam era o desejo de "intervir sobre a realidade como intelectuais, como portadores de valores intelectuais" (LUPERINI, 1978, p. 18). Para o autor, uma personalidade que influenciou politicamente La Voce e o seu diretor, Prezzolini, foi Salvemini. Este levou a revista a tomar posição sobre o sufrágio universal e sobre o problema meridional, dentre outros assuntos. Contudo, ele não consegue fazer de La Voce uma revista prevalentemente política como gostaria. Por isso, a abandona. Depois que Salvemini deixa La Voce, em fins de 1911, a revista assume um caráter mais literário e artístico. No início de 1914, a revista passa por uma transformação e Prezzolini será o responsável por uma nova orientação: a "revista do idealismo militante" (LUPERINI, 1978, p. 27). A partir do final de 1914, a revista passa à direção de Giuseppe De Robertis, quando se rompe o elo entre política e cultura.
16 O L'Unità, semanário de cultura e política, foi criado em Florença, em 16 de dezembro de 1911, por Gaetano Salvemini (1873-1957), quando este rompeu sua colaboração com La Voce e saiu do Partido Socialista Italiano. A revista, que deixa de ser publicada em 30 de dezembro de 1920, teve a colaboração de personalidades meridionais, como Giustino Fortunato, Antonio De Viti De Marco (líder do movimento liberal) e Benedetto Croce. Em sua existência, L'Unità procurou afrontar diversos problemas na Itália, como a questão meridional, a corrupção política e eleitoral, a reforma tributária, escolar e administrativa. No que diz respeito à crítica dirigida à administração central, Cassese observa que ela não constituiu uma "autêntica contestação do poder administrativo, porque permanecia superficial, satisfazendo-se em afirmar que a burocracia equivalia, de todo modo, ao conservadorismo" (CASSESE, 1981, p. 519).
17 Aqui, Gramsci alude à revista Leonardo de Luigi Russo. Houve uma revista também chamada Leonardo fundada por Prezzolini e Papini, em 1903, cujo último número saiu em 1907, sob a direção de Prezzolini. A revista tinha influência do pensamento de R. Steiner e F. Nietzsche e tencionava realizar uma regeneração antiacadêmica da cultura italiana. Já a outra revista Leonardo, referida por Gramsci, foi fundada em 1925 e era publicada pela Sociedade Leonardo, com a finalidade de difundir a cultura italiana no exterior. Até o final de 1925, a revista foi dirigida por Prezzolini, mas, então, Giovanni Gentile convida Luigi Russo para assumir a direção de Leonardo. Mais do que um simples boletim bibliográfico ou de coletânea de resenhas, Russo reorganizou as seções da revista, conseguiu a colaboração de muitos jovens articulistas e soube dar à revista um tom crítico e combativo, distanciando-se do mero caráter informativo que estava em seu programa de fundação. Uma das preocupações de Russo é a de manter a unidade da cultura idealista, que estava dividida com os contrastes políticos entre Gentile e Croce. Gentile procura intervir para manter a revista como coletânea de resenhas bibliográficas, principalmente a partir de 1927, quando a Leonardo conquista um caráter mais oficial e é publicada sob os auspícios do Instituto Nacional Fascista de Cultura. Mas a tentativa de Russo de garantir a unidade da frente de cultura idealista entra em crise em 1928, quando Croce publica Storia d'Italia (1930-1943), aguçando as diferenças entre ele e Gentile. Em fins de 1929, a revista Leonardo se funde com I libri del giorno, da editora Treves, uma revista bibliográfica, fundada em 1918 e que, a partir de janeiro de 1930, tem como diretor Federico Gentile, filho de Giovanni Gentile. As tensões entre Russo e Gentile aumentam e, em 18 de dezembro de 1930, Russo anuncia a criação da revista mensal La nuova Italia, publicada por editora homônima. Croce teve um papel decisivo para o nascimento do novo periódico, junto a amigos como Luigi Albertini, Alessandro Casati e Giustino Fortunato. Nas páginas da Nuova Italia, Russo e Adolfo Omodeo iniciam uma polêmica com Gioacchino Volpe, que provoca a reação de Gentile contra os dois antigos discípulos, seja em cartas ou discursos. O agravamento das divergências entre Russo e Gentile culmina em uma crise que leva Russo a perder a direção da revista Leonardoem 1931 (PERTICI & RESTA, 1997, p. 5-13).
18 Gramsci justifica a autobiografia dizendo o seguinte: "Uma das justificativas pode ser esta: ajudar outros a desenvolver-se de acordo com certas perspectivas e em direção a certas finalidades. Frequentemente, as autobiografias são um ato de orgulho: se crê que a própria vida seja digna de ser narrada porque 'original', diferente de outras, porque a própria personalidade é original, diferente de outras, etc. A autobiografia pode ser concebida 'politicamente'. Sabe-se que a própria vida é semelhante àquela de mil outras vidas, mas que por 'acaso' ela teve um resultado que as outras muitas não puderam ter e não tiveram de fato. Fazendo-se a narrativa, cria-se essa possibilidade, sugere-se o processo, indica-se a finalidade. A autobiografia substitui, portanto, o 'ensaio político' 'filosófico': se descreve em ato aquilo que, de outra maneira, se deduz logicamente. É certo que a autobiografia tem um grande valor histórico, na medida em que mostra a vida em ato e não apenas como deveria ser segundo as leis escritas ou princípios morais dominantes" (GRAMSCI, 1977, p. 1718).
19 Gramsci se refere inicialmente aos dois tipos de resenha, o sintético e o crítico, no Caderno 1 (cf. GRAMSCI, 1977, p. 33).
20 No Caderno 1, Gramsci (1977, p. 26) tinha se referido à revista L'Italia che scrive como um exemplo do terceiro tipo de revista. Já em 1919, tinha escrito um artigo, no Grido del Popolo, saudando a iniciativa de Angelo Fortunato Formiggini (1878-1938) de publicar aquela revista, que prometia se "tornar um ótimo e utilíssimo instrumento de cultura" (GRAMSCI, 1982, p. 805). Trata-se de um periódico de informação bibliográfica, dirigido por Formiggini de 1918 a 1938. A revista, que se propunha a difundir resenhas da produção literária italiana contemporânea, se insere no âmbito de outras iniciativas culturais de Formiggini, como o Instituto para a Propaganda da Cultura Italiana (IPCI), fundado em 14 de março de 1921, que em seguida mudaria o seu nome para Fundação Leonardo para a Cultura Italiana, por proposta de Giovanni Gentile. Em 1923, Formiggini seria excluído da Fundação, que em 1925 seria absorvida pelo Instituto Nacional Fascista de Cultura. Um outro projeto de Formiggini foi a criação da Biblioteca Circulante da revista L'Italia che scrive (ICS), com o objetivo de colocar à disposição do público os livros que a revista recebia para realizar as resenhas. Sendo hebreu, foi obrigado a abandonar a sua atividade de editor depois da sanção das leis raciais, em 1938 e, diante disso, decide suicidar-se (cf. BONAZZI, s/d; BALSAMO & CREMANTE, 1981; ANDERLINI, 1999; MANICARDI, 2001).
21 Segundo Gerratana, Gramsci tinha "seguido no cárcere, por algum tempo, o suplemento do semanário 'Times'('Times Weekly'), mas depois o substituíra pelo suplemento do 'Manchester Guardian' ('Manchester Guardian Weekly')" (nota de Gerratana apud GRAMSCI, 1977, p. 3021).
22 Na revista Osservatore, Gasparo Gozzi (1713-1786) escreve polemicamente contra as modas e as manias do seu tempo, concentrando-se na análise e na crítica dos costumes. Ao lado das notícias sobre coisas para vender, comprar, alugar, achados e perdidos, o preço das mercadorias etc., encontrava-se a crônica direta, irônica, indiscreta e aparentemente inocente do jornalista sobre as cenas da vida cotidiana (cf. <http://www1.provincia.venezia.it/smac/ice96/giorna.html, <http://www.provincia.venezia.it/mfosc/ studenti/gozzi/gozzi.html> Acesso em: 19 abr. 2006).
23 O jornal inglês Spectator foi um modelo de prosa e de estilo para os periódicos italianos, especialmente em Veneza, por ter concebido o ensaio literário como artigo jornalístico, acessível a um grande público, instituindo uma ligação entre periódico e literatura. O periódico fazia a crítica dos costumes ao estabelecer uma estreita relação com a vida do seu tempo, da qual extraía a matéria de discussão. Assim, a intenção moralista encontrava a sua realização concreta na observação e na análise de uma sociedade exclusivamente inglesa, que era então amplamente descrita (cf. <http://www.provincia.venezia.it/mfosc/studenti/gozzi/gv.html> Acesso em: 19 abr. 2006). Sobre a revista Lacerba (1913-1915), Luperini afirma que ela resultou de uma ruptura consciente de Papini e Soffici com Prezzolini, pois eles tinham amadurecido uma concepção diferente da relação entre arte, cultura e política, atribuindo à literatura e à arte uma função de totalidade (LUPERINI, 1978, p. 28). Para o autor, Lacerbateve um "papel literário preciso ao difundir o futurismo italiano e ao afrontar algumas questões próprias de cada moderna vanguarda artística e por isso ainda hoje atuais" (LUPERINI, 1978, p. 28). No entanto, quando se desenha a situação de guerra, a revista assume um papel preponderante em seu favor, de cunho nacionalista, abandonando o interesse exclusivo pela arte.
24 A Frusta Letteraria, fundada por Giuseppe Baretti (1719-1789), foi publicada quinzenalmente em Veneza, de 1º de outubro de 1763 a 15 de janeiro de 1765, ano em que foi proibida pelo governo da cidade, devido aos seus ataques ao padre Appiano Buonafede. Como a revista de Gozzi, de quem Baretti é contemporâneo, a Frusta Letteraria também se insere na tipologia do Spectator. Baretti escreve para a revista assumindo-se como Aristarco Scannabue, pretendendo ser um velho soldado aposentado, que polemizava contra a poesia bucólica, a erudição acadêmica, o puritanismo religioso. Usando a arma da comédia e da ironia, atacou decididamente as academias e defendeu o estilo direto, a espontaneidade da forma, a predominância do conteúdo, a expressão sincera do crítico e a escolha de um vocabulário vigoroso. Para Bini (2003), a Frusta Letteraria "transfere para o âmbito literário exigências próprias da civilização iluminista, conferindo-lhe uma profunda ressonância espiritual". Ainda segundo o autor, a revista não tinha como maior preocupação estabelecer uma polêmica formalista e acadêmica, mas se atinha a uma reivindicação de conteúdos morais, o que caracterizaria Baretti como uma figura expressiva da nova atmosfera pré-romântica. O modelo para a crítica literária e moral da Frusta Letteraria, segundo Samaritani (2001), teria sua referência nos jornais ingleses de Samuel Johnson, de quem Baretti tornou-se amigo quando de seu exílio voluntário em Londres, em 1751. Baretti condenou como plebéias as comédias de Carlo Goldoni. O amigo de Gramsci, Piero Gobetti (1901-1926), liberal e antifascista, chamará a sua revista de crítica literária, fundada em 1924, Il Baretti.
25 A revista Lacerba (1913-1915) tem em conta o movimento futurista milanês, já ativo desde 1909. Ardengo Soffici (1879-1964), pintor e escritor italiano do "primo Novecento", fundou a revista junto a Giovanni Papini. Em seguida, colaborou com a Leonardo de Papini, com a Riviera Ligure dos Fratelli Novaro e com a La Voce de Prezzolini, na qual publicava crítica de arte, favorecendo a difusão na Itália do impressionismo e do pós-impressionismo francês. Nos anos 1920, tornou-se um defensor do fascismo em ascensão e foi um dos primeiros colaboradores do Popolo d'Italia, revista fundada por Benito Mussolini, em novembro de 1914 (cf. CIRCE, 2006). Sobre a revista Lacerba (1913-1915), Luperini afirma que ela resultou de uma ruptura consciente de Papini e Soffici com Prezzolini, pois eles tinham amadurecido uma concepção diferente da relação entre arte, cultura e política, atribuindo à literatura e à arte uma função de totalidade (LUPERINI, 1978, p. 28). Para o autor, Lacerbateve um "papel literário preciso ao difundir o futurismo italiano e ao afrontar algumas questões próprias de cada moderna vanguarda artística e por isso ainda hoje atuais" (LUPERINI, 1978, p. 28). No entanto, quando se desenha a situação de guerra, a revista assume um papel preponderante em seu favor, de cunho nacionalista, abandonando o interesse exclusivo pela arte.
26 Cf. Gramsci (1977, p. 975-976), Caderno 8, no qual o tema é abordado sob a rubrica "Revistas tipo".
27 Entre 20 e 23 de setembro de 1912, ocorreu em Bolonha o Congresso de jovens socialistas sobre o tema "a educação e a cultura da juventude". Na ocasião, Amadeo Bordiga sustentou que não se deveria supervalorizar os estudos, afirmando, dentre outras coisas, que "Não nos tornamos socialistas com a instrução, mas pelas necessidades reais da classe a que pertencemos". Ângelo Tasca criticou essa posição, sustentando a exigência de uma renovação intelectual do socialismo italiano. E Bordiga chamou Tasca e os seus defensores de "culturalistas" (cf. GRAMSCI, 1973, p. 67, nota 1).
28 O analfabetismo na Itália estava em cerca de 80% em 1861; 62% em 1881; 38% em 1911 e 21% em 1931. Contudo, em 1922, ainda era superior a 49% na região meridional (cf. CIPOLLA, 1971).
29 O verdadeiro nome de Bogdanov era Alexandr Alexandrovich Malinovski (1873-1928).
30 Anatoliy Vasilievich Lunacharsky (1875-1933) participou da publicação do jornal bolchevique Zovaya Zhizn(Vida Nova), com Maxim Gorky, em 1908; do grande jornal pacifista editado em Paris, Nashe Slovo (Nosso Mundo), com Julius Martov e Leon Trotsky, em agosto 1914, e colaborou com a redação do jornal Vpered (Avanti), em 1915, apoiando a cultura proletária. Depois da Revolução de Outubro, Lunacharsky foi eleito Primeiro Comissário do Povo para a Educação do Governo Soviético.